Sinopse
Um documentário de fazer
rodar a cabeça, baseado no livro do economista francês Thomas Piketty,
transforma a história do capital nos últimos 300 anos numa história de detetive
financeiro que expõe as justificações para a nossa crise atual.
Opinião
por Artur Neves
A história contada neste
filme, porque é disso que se trata, embora fortemente ligada aos modernos
eventos do nosso tempo, tem origem no século XVIII, na transição entre a sociedade
feudal e o início da era industrial e aborda em modo ligeiro mas com
objetividade, um dos assuntos mais polémicos e importante da atualidade no que
concerne à distribuição da riqueza, ou à falta dela, considerando que 70% dos
recursos mundiais é detido por apenas 1% da população.
Com base nesta premissa, o
autor do livro com o mesmo nome, publicado em frança em 2013, é também narrador
do filme em conjunto com o realizador Justin Pemberton que reúne uma larga
experiencia na realização de documentários desde 1999. Ele aponta o seu olhar
para os últimos trezentos anos, descrevendo todo o percurso de onde viemos e
para onde estamos indo do ponto de vista das políticas aplicadas ao capital,
como elemento de poder, ou como motor social com capacidade de promover a evolução
das sociedades no sentido do bem estar, que em abstrato, constitui o objetivo
principal de justificação para os governos de todos os países.
Thomas Piketty, que pode ser
classificado como um humanista, sem laivos visíveis de marxismo, e sem
definição clara de “esquerda” ou de “direita”, nos sentidos convencionais dos
termos, descreve a história que nos conta com o rigor analítico de um Paul
Krugman, transformando o seu livro numa palestra ilustrada onde a riqueza
material e o valor intrínseco da posse, (posse do dinheiro ou posse da terra)
da propriedade em geral, aumentam e diminuem, mudando ciclicamente com o intervalo
de tempo em análise e assim mostrando ao espectador, de uma forma consistente e
clara porque estamos assim.
O filme começa nos senhores
do poder da terra durante o domínio da aristocracia no século XVIII em que esse
poder era transferido por herança e mantido através de casamentos entre pares
da mesma classe. Avança para a Revolução Francesa que tentou corrigir esse círculo
vicioso de poder e dinheiro, que foi mais teórico do que real pois a democratização
nunca chegou às massas por essa via, e chegando à Revolução Industrial que
através da indústria e da produção de bens transacionáveis, transformou o
capital num elemento móvel, muito diferente da fixidez da terra, permitindo a
sua rendibilidade através do investimento.
Estabelece a primeira noção de
marketing para motivar a circulação do dinheiro com o aparecimento da moda de
vestuário e apresenta os dois grandes colapsos do século XX, as duas guerras
mundiais, como as grandes destruidoras dos anteriores paradigmas económicos que
deram origem ao aparecimento de uma classe média assalariada mas forte e
crescente que permitia às pessoas comuns, sem bens de raiz, sem terra, possuírem
capital e poder relativo pela primeira vez na história.
Com uma sociedade fortemente
dependente da indústria e do combustível que a fazia funcionar o declínio
começa na década de 70 com as crises petrolíferas e a posterior globalização da
economia que permitiu que o capital fosse de novo desviado e concentrado nas
mãos da nova elite emergente, fruto da reinvenção do setor financeiro que
utiliza o capital para comprar influência política, foge aos impostos,
centra-se nos midia e na publicidade
para divulgar os seus produtos, concentra a riqueza em grandes conglomerados e
desvia os lucros e os dividendos da sua atividade para empresas de fachada offshore que voltam a ter a
possibilidade de passarem naturalmente para a próxima geração que não despendeu
qualquer esforço na sua obtenção.
É no fundo o que temos e o
que conhecemos do dia a dia, que está já a acontecer e que continuará se não
conseguirmos mudar o curso do futuro, para o qual Piketty não nos apresenta
qualquer solução mas apenas deixa-nos o alerta de que além do capital
perderemos também, e mais importante; a liberdade.
Apraz-me ainda registar que
o filme recorre a excertos de filmes famosos, tais como; “Orgulho e Preconceito”,
“Wall Street” e outros, como exemplos ilustrativos de épocas onde ocorreram
grandes transformações, numa evidência clara que o cinema é a grande montra das
mutações sociais e da vida tal como a conhecemos.
O filme terá estreia em sala
em 22 de Outubro, embora tenha uma primeira exibição seguida de debate, no dia
15, no cinema São Jorge, no âmbito da 21ª Festa do Cinema Francês 2020. Recomendo
vivamente.
Classificação: 8 numa escala
de 10
Sem comentários:
Enviar um comentário