14 de outubro de 2020

Opinião – “Manual da Boa Esposa” de Martin Provost

Sinopse

Paulette Van Der Beck (Juliette Binoche) e o marido (François Berléand) dirigem há muitos anos a Escola de Gestão Doméstica de Bitche, na Alsácia-Mosela. O estabelecimento tem por missão formar adolescentes para se tornarem donas de casa perfeitas, numa época em que se esperava que as mulheres servissem subservientemente os maridos. Após a morte repentina do marido, Paulette descobre que a escola está à beira da falência e tem que assumir a responsabilidade da mesma.

Mas enquanto decorrem os preparativos na escola para o concurso televisivo de Melhor Gestão Doméstica, Paulette e as suas entusiásticas alunas começam a questionar os valores prevalecentes, na senda das transformações sociais provocadas pelos protestos nacionais do maio de 1968. Tendo reatado com André (Edouard Baer), o seu primeiro amor, e ajudada pela excêntrica meia-irmã Gilberte (Yolande Moreau) e pela rígida freira Marie-Thérèse (Noémie Lvovsky), Paulette junta-se às alunas para superarem o seu estatuto oprimido e se tornarem mulheres livres. "Manual da Boa Esposa" é uma visão humorística e satírica duma história universal sobre a solidariedade e a igualdade de género.

Opinião por Artur Neves

Estamos da década de 60, os fumos da segunda guerra já se extinguiram e com eles a sociedade emergente da década de 50. A reconstrução do pós guerra já está estabilizada e uma classe média burguesa, estabelecida à custa da dignificação do trabalho numa sociedade de industrialização crescente, produz filhos que começam a questionar a formatação da moral e dos bons costumes veiculada pelos seus progenitores.

Objetivamente a história deste filme centra-se em 1967 (eles desconhecem que Maio de 1968 já está próximo e quais as suas consequências) mas na Alsácia-Mosela, a Escola de Gestão Doméstica de Bitche segue o seu caminho na formação de boas esposas e donas de casa perfeitas, segundo um figurino ultrapassado que é silenciosamente rejeitado pelas alunas que a frequentam.

Nessa juventude já se fazem sentir os ventos de mudança, com os sonhos de independência, de autonomia sobre as suas vidas e o futuro de revolta contrariando frontalmente as lições da madame Paulette Van Der Beck, a excêntrica meia-irmã do marido dela, Gilberte, e a freira sargento Marie-Thérèse que adiciona à férrea disciplina que impõe às alunas, toda a sua crendice em mitos e fantasias populares sobre a verdade da natureza humana.

Toda a história é vertida em género de comédia inteligente que confronta muitas das ideias ainda hoje reinantes em muitos espíritos menos esclarecidos. Muitos espectadores poderão sentir-se confrontados e incrédulos em face de afirmações jocosas sobre comportamentos, que para eles serão perfeitamente normais, registando-se aqui a primeira fraqueza do filme na medida em que, apresentado verdades como fantasias fúteis e esconde o obscurantismo em profundidade que as justificou.

Aborda fundamentalmente o movimento de emancipação feminina na década de 60 sob a forma de uma farsa galhofeira durante o percurso de deslocação a um concurso televisivo de escolas da mesma área de ensino em Paris, e apresenta o despertar visível da identidade de género no florescimento do amor proibido entre duas jovens.

Todos os personagens estão bem defendidos, com nota particular para Gilberte (Yolande Moreau) que já possui um histórico de trabalho com este realizador, bem como para Marie-Thérèse (Noémie Lvovsky) que nos apresenta uma freira sargento com todas as caraterísticas inerentes. Paulette (Juliette Binoche) está sempre bem, ou não fosse ela uma diva do cinema francês. É um filme com conteúdo, que se vê com agrado durante 110 minutos, e faz-nos sorrir.

Classificação: 5,5 numa escala de 10

 

Sem comentários: