15 de outubro de 2020

Opinião – “Mulheres ao Poder” de Philippa Lowthorpe

Sinopse

História verídica da interrupção do concurso de Miss Mundo, em 1970, pelo crescente Movimento de Libertação das Mulheres, um evento que foi notícia principal em todo o mundo. Durante um dos programas de televisão mais populares do planeta, assistido por 100 milhões de espectadores, o Libbers interrompe a transmissão afirmando que concursos de beleza infamam as mulheres. Assim, da noite para o dia, o Movimento ganha fama… e quando a ordem é restaurada a escolha da vencedora provoca um novo rebuliço. Não é a favorita sueca, mas sim a Miss Grenada, a primeira mulher negra a ser coroada Miss Mundo. Em questão de horas, uma audiência global testemunhou a expulsão do patriarcado do palco e o derrube do ideal ocidental de beleza.

Opinião por Artur Neves

Não posso deixar de iniciar esta crónica sem comentar o título que foi atribuído em Portugal a este filme, que sugere tratar-se de uma assunção de conflito, ou de domínio das mulheres sobre os homens, quando afinal não se trata de nada disso, mas tão somente da teatralização de um evento real acontecido no concurso de Miss Mundo em 1970, quando um grupo de mulheres organizadas assume uma atitude de “Mau Comportamento” ("Misbehavior",no título original) para os parâmetros comportamentais femininos na época. É mais um exemplo de distorção de contexto na atribuição de títulos de filmes em Portugal.

Posto isto, e tal como a sinopse reporta o filme conta-nos a história baseada em factos e personagens reais de como um grupo de mulheres organizadas, impugnou um concurso mundial de beleza feminina, que na opinião delas, objetivava as mulheres, comparando-as pelos seus atributos físicos e sexistas, de modo semelhante às avaliações de qualidade dos potenciais compradores numa “feira de gado”.

Esta opinião reúne atualmente um largo consenso, mas durante a primeira metade do século XX, os concursos de beleza foram apoiados e defendidos pelas entidades oficiais e pelos mídia como uma promoção da beleza feminina, sendo expressamente incluída a exibição de costas para a câmara, para que o público pudesse escrutinar as formas mais ou menos rotundas das meninas em bikini, com total aderência dos juízes e do publico presente no Royal Albert Hall de Londres, apresentado por um Bob Hope, (representado por Greg Kinnear) armado com um pacote de piadas cafonas, maliciosas e ridículas, mas completamente aceite e elogiado na época. No filme, o “boneco” nem está muito bem construído e a representação fica-se entre a imitação imperfeita e a caracterização incompleta, mas para o que é, serve.

Em 1970, embora lentamente, as coisas já começavam a mudar e para dignificar a prestação das debutantes, a organização promoveu o acompanhamento permanente das Miss em concurso por uma acompanhante cuja missão era fazê-las refletir sobre o concurso em si e sobre as mudanças que a participação naquele evento iria introduzir nas suas vidas, bem como a inclusão de duas Miss negras; Miss Granada (Gugu Mbatha-Raw) e Miss África do Sul (Loreece Harrison), como que a demonstrar a universalidade da competição, mas sem considerar a diferença de conceito que o concurso significava para raparigas de culturas tão diferentes da europeia, constituindo uma “emenda pior que o soneto”.

As manifestantes, encabeçadas por Jo Robinson (Jessie Buckley) uma ruiva irreverente e destemida, coadjuvada pela intelectual Sally Alexander (Keira Knightley) que nos primeiros contactos não compreendem a semelhança de objetivos, embora por caminhos diferentes, infiltram-se no espetáculo com o grupo de aderentes ao movimento, no propósito de exibir cartazes de protesto, e ruídos que perturbam a normal exibição do evento, embora este consiga terminar tal como esperado, com a indicação da vencedora surpresa para os 100 milhões de espectadores espalhados pelo mundo.

A causa do protesto é válida e embora algumas manifestantes sejam detidas não se tiram daí consequências sérias para as protagonistas e o filme consegue mostrar com realismo o desespero e a frustração das mulheres envolvidas no protesto, através das suas conversas sobre a revolução que apenas iniciaram e que deve continuar para atingirem os seus justos objetivos.

As performances estão em bom nível e só se lamenta que a esposa de Bob Hope, Dolores (Lesley Manville) tenha sido tão pouco utilizada, menorizada mesmo, quando personifica um elemento que dentro da organização já não apoia o evento com o entusiasmo dos primeiros tempos, tendo começado a sua luta separatista individual.

É um documento decisivo na história do movimento feminista a que vale a pena assistir para formação e conhecimento dos factos. Em exibição nos cinemas da NOS.

Classificação: 6 numa escala de 10

 

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