Sinopse
Alex (Alexandre Wetter), um menino delicado de 9 anos, que não sabe ainda bem se se sente menino ou menina, tem um sonho: ser um dia eleito Miss França. Quinze anos depois, Alex perdeu os pais e a autoconfiança e sente-se estagnado numa vida monótona. Um encontro imprevisto vem despertar esse sonho esquecido. Alex então decide concorrer ao título de Miss França, escondendo a sua identidade masculina. Beleza, excelência, camaradagem... Ao longo das etapas de um concurso implacável, ajudado pela sua pitoresca família que muito o apoia, Alex parte à conquista do título, da sua feminilidade e, acima de tudo, de si mesmo.
Opinião
por Artur Neves
Tendo constituído em antestreia
a abertura da 21ª edição do Festival do Cinema Francês que se realiza em cinemas
de várias cidades do país durante o mês de Outubro, este filme foi inspirado na
história verídica do seu ator principal, Alexandre Wetter que tal como descrito
na sinopse, foi um menino que aos 9 anos manifestou o desejo de um dia ser
eleito Miss França.
Na realidade o ator Alexandre
Wetter que na sua profissão é também modelo, tanto passa com igual desenvoltura
roupa feminina como masculina, tem uma aparência andrógena, imberbe, modos
delicados e serviu na perfeição os objetivos de Ruben Alves, o realizador luso
descendente de “A Gaiola Dourada” de 2013, para abordar duma maneira séria,
embora com diversos elementos de comédia bem incluídos, o tema da identidade de
género e a perseguição discriminadora da sociedade aos comportamentos humanos que
se afastam da normalidade instituída.
Aliás, a ideia não é
inédita, considerando que em fevereiro de 2018, Ilay Dyagilev, um modelo
masculino do Cazaquistão ganhou o prémio; “Miss Virtual de Shymkent” por ter
chegado à final de um concurso de beleza online,
tendo-se feito passar por “Arina” e obtido mais de dois mil votos nas redes
sociais onde publicou o seu “boneco”.
Por outro lado, constitui
ainda uma apreciação crítica mordaz aos concursos de beleza tradicionais vistos
do seu interior, aos milhões que esses eventos movem, enunciando sempre bons propósitos
e defendendo boas causas humanitárias, ambientalistas, defensoras dos animais,
à custa da exposição do corpo da mulher em sensualidade e potencial sexual da
sua figura em múltiplas posições sempre associadas a marcas comerciais. Mostra-se
também que muitas das concorrentes pensam que a aparência física é a coisa mais
importante, tal como lhes é instilado durante a preparação para a final do
concurso, embora a diretora do evento seja levada a concluir; “à força de nos
preocuparmos tanto com o visual exterior esquecemo-nos do conteúdo humano”.
Alex vive entregue a si próprio
em casas acolhimento, depois da morte dos pais num desastre de viação e hoje,
com 24 anos, questiona-se sobre a sua verdadeira tendência de género. Faz
biscates em vários locais, cuida de um clube de pugilistas de bairro e vive num
quarto alugado já com alguns meses em atraso. A dona da pensão aloja no seu
espaço outros hóspedes com dificuldades de dinheiro mas que partilham a renda
com ele. Essa perda de privacidade fá-lo abrir-se à comunidade que o cerca,
constituindo a sua atual família e ajudando-o a definir-se como pessoa num
convívio truculento, diversificado em opções, mas humano e carente de atenção e
afeto tal como ele.
Abordado com a dignidade que
o tema merece, Ruben Alves apresenta-nos uma história cheia de realidade,
sonhos perdidos e comédia que se vê com agrado, prevendo-se a sua estreia em
sala para 5 de Novembro. Recomendo.
Classificação: 7 numa escala
de 10
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