30 de setembro de 2020

Opinião – “O Sal das Lágrimas” de Philippe Garrel

Sinopse

As primeiras conquistas de um jovem e a paixão que tem pelo pai. Esta é a história de um jovem da província, Luc, que vai a Paris para se candidatar à Escola Boulle. Na rua, encontra Djemila, com quem vive uma aventura. De regresso a casa do pai, reencontra uma ex-namorada, Geneviève, enquanto Djemila alimenta a esperança de o rever. Quando recebe a notícia da entrada na Escola Boulle, vai para Paris e abandona a namorada que está grávida…

Opinião por Artur Neves

Philippe Garrel é sempre igual a si próprio. Atualmente com 71 anos ele continua a divertir-se em arranjar uma narrativa sobre os factos que apresenta numa história de amor cheia de percalços, que pode ser uma história que conheçamos pessoalmente, ou por interpostas pessoas, e deixa ao espectador a responsabilidade de a mastigar, digerir e julgar de acordo a sua experiencia de vida e as suas convicções, sem interferir com a sua visão pessoal que usa apenas para mostrar como as coisas se passaram. É isto o cinema de Philippe Garrel.

A preto e branco como é hábito, Garrel conta-nos uma história de juventude, de aprendizagem da vida de um rapaz Luc (Logann Antuofermo) criado na província e com educação limitada, que ama o pai, (André Wilms) marceneiro, por quem ele nutre forte amor filial e devoção pela sua entrega a uma arte que ele pretende seguir, depois de adquirir formação complementar em Paris, na Escola de Artes e Ofícios Boulle, onde ele se candidata como aluno.

Na grande cidade, que vai implicar uma grande transformação na sua vida para fazer o exame de admissão, ele confronta-se com o despertar do amor com Djemila (Oulaya Amamra) num namoro de juventude limitado pela exiguidade de tempo em que estão juntos e pela recusa dela ao primeiro encontro a sós. Depois do exame, volta a casa de seu pai e durante a realização de um trabalho num cliente encontra uma amiga de infância Geneviève (Louise Chevillotte) com quem enceta um namoro e uma relação de vida com propósitos de futuro, todavia abandona-a logo que recebe a confirmação de admissão na Escola Boulle, num ato chauvinista e arrogante de independência masculina, por não estar disposto a lidar com o futuro filho que vem a caminho.

Em Paris, com os novos amigos descobre o amor apaixonando-se por Betsy (Souheila Yacoub) que lhe sugere uma relação triangular com um anterior relacionamento, Paco (Martin Mesnier) que ainda mantém e que ele aceita numa coabitação temporária por tempo indeterminado. Luc e Betsy declaram mutuamente o seu amor, enquanto ela salta de cama em cama no mesmo quarto e na mesma noite. Quando se precisa de privacidade uma gravata pendurada na porta pelo lado de fora avisa do facto. Ela é transparente com ambos e convive com amor pelos dois sem abandonar nenhum, numa relação aberta, franca e assumida pelos três, embora diferenciando a sua preferência mais consistente por Luc.

É assim que Garrel nos apresenta o amor em 2020 para pessoas heterossexuais, brancas e europeias que apenas existem para amar e ser amadas, sem implicações sociais dos seus atos, ou conflitos políticos ou económicos que os condicionem. Garrel não nos indica qualquer dos caminhos, apenas os apresenta, captando os atos e as pessoas numa apresentação trágico cómica, (dependente do ponto de vista) do estereótipo burguês, citadino, sobre o amor e seus possíveis triângulos, ora tradicionais, ora inovadores ligados aos nossos tempos.

Garrel não cuida de qualquer dos personagens que são tomados e largados tal como nos foram apresentados, exceto de Luc e do seu pai, ocupando este um papel centralizador na vida de Luc de que ele tenta libertar-se, mostrando um distanciamento em relação à sua contribuição para este imbróglio que cabe ao espectador deslindar qual o sentido a dar-lhe na sua imagética pessoal e privada. Pelo meu lado também não vou dar qualquer contributo, apenas que veja e despenda algum tempo a pensar num assunto que afinal é de todos.

Classificação: 5 numa escala de 10

 

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