23 de setembro de 2020

Opinião – “Antebellum” de Christopher Renz, Gerard Bush


 Sinopse

"Antebellum" centra-se na personagem de Veronica (Janelle Monáe), doutorada em sociologia e autora de livros de sucesso sobre o tema da privação de direitos dos negros nos EUA, há muito inscrita de forma profunda no país.

Veronica deixa o marido, Nick, e a filha, Kennedi, para viajar até Nova Orleães, onde fará uma palestra. Na cidade do sul, as suas palavras recordam ao público que chegou a hora de os afroamericanos se fazerem ouvir. No entanto, Veronica ainda não percebeu que o mesmo destino que a escolheu para nos salvar do passado também a ligou a uma mulher escravizada dos tempos da Guerra Civil, Eden (também interpretada por Monáe), que trabalha num campo de algodão entre o calor sufocante enquanto o fantasma do conflito cresce ao redor dela e de outros que também sobrevivem em circunstâncias desumanas. Através do tempo e de diferentes mundos e eras, Eden e Veronica encontram-se em circunstâncias que alteram para sempre as suas vidas

Opinião por Artur Neves

Este filme apresenta-se como uma história mística envolvendo algum terror sobrenatural, mas deve mesmo ser classificado como filme de terror puro e duro, não pelo seu conteúdo, mas pela forma esdruxula como aborda os factos que quer contar.

Não é que os problemas sobre a descriminação racial que têm como expoente relevante a escravatura nos estados do sul dos Estados Unidos da América no final do século XIX, que deram origem à guerra da secessão entre 1861 e 1865, numa altura em que a morte de George Floyd acendeu inflamadamente as questões do racismo que não pertencem ao passado mas que continuam entre nós e na ordem do dia, e como tal não podem ser esquecidas, mas sim relativamente à forma como são apresentadas neste filme de cultura pop que mostra a raça negra como meros corpos em vestes esfarrapadas sem qualquer respeito pela sua identidade e por tudo o que a seguir se mostra.

O filme começa com as cenas tradicionais da escravização dos negros numa plantação sulista de algodão em que se destaca uma escrava, Eden (Janelle Monáe) perseguida por um sádico capitão sulista e capataz da fazenda, Captain Jasper (Jack Huston) que decreta a regra de absoluto silencio entre os escravos e captura Eden que havia tentado escapar. Ela é arrastada até uma cabana onde um general (Eric Lange) a marca selvaticamente com um ferro em brasa e lhe bate até a prostrar, numa cena que nos lembra a arrogância histórica de “12 Anos Escravo” e o conteúdo barato de pornografia com tortura, por cerca de 40 minutos.

Depois consuma-se o descalabro da história, toca um telemóvel e Eden, com o nome de Veronica, acorda em 2019, na sua cama com o seu envolvente marido, Nick (Marque Richardson) e a sua filha Kennedi (London Boyce) na sua casa de luxuoso conforto de classe média alta a preparar-se para viajar até New Orleans onde vai participar numa conferencia sobre o seu livro recentemente publicado.

Na receção do hotel mostram-nos o disfarçável desprezo da rececionista branca pela sua pessoa, bem como na indicação de uma mesa junto á cozinha no restaurante, por uma empregada, tentando mostrar que a condição de mulher negra na américa não mudou muito até agora mas sem qualquer análise nem nota crítica que fundamente ou sequer aponte o motivo da descriminação. Afinal ela não é uma negra qualquer e para os que se destacam a américa tem outro figurino de comportamento.

Ainda no hotel, com as suas amigas há uma cena de invasão no seu quarto por uma menina muito loura de brancura caucasiana e voz de mel (Jena Malone) que produz um diálogo incómodo de cariz premonitório mais assustador, mas que em nada resulta porque não tem consequências diretas. Ela e as amigas saem do hotel para passar uma noite divertida e viajam em carros diferentes. No carro onde ela viaja, encontra o Captain Jasper que a rapta e envia de volta a 160 anos antes, para a plantação de algodão, com a diferença de agora levar o telemóvel que lhe permite enviar a sua localização para o marido e para a filha apesar de continuar lutar com os seus captores e a fugir aos seus torcionários.

“Antebellum”, que no final do filme ficamos a saber que se trata de um parque temático sobre o período da escravatura nos USA (os americanos encaram os seus esqueletos de frente e não são como nós que ainda não decidimos criar um museu do Salazarismo) acaba por ser uma viagem imprópria à violência histórica contra os negros, considerando que não tem nada a acrescentar à realidade racista de parte do povo americano.

Não sei o que é que os seus realizadores tinham pensado para esta história, mas para mim é um fracasso artístico de duas pessoas com um objetivo que superava a sua capacidade de atingi-lo, considerando as falhas estéticas e narrativas que apresentam num mundo sem lógica e com personagens tão superficiais e parcos na sua missão. A história não tem sentido e para ver este filme é necessário assumir que se vai adquirir um modelo de não cinema.

Classificação: 2 numa escala de 10

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