Sinopse
ES escapa da Palestina em
busca de uma pátria alternativa, apenas para descobrir que a Palestina está
seguindo atrás dele. A promessa de uma nova vida transforma-se numa comédia de
erros: por mais que ele viaje, de Paris a Nova Iorque, algo sempre o lembra de
casa. Do premiado diretor palestiniano, Elia Suleiman, aparece-nos uma saga em
forma de comédia que explora a identidade, nacionalidade e pertença, na qual
Suleiman faz a pergunta fundamental: onde é o lugar que realmente podemos
chamar de lar?...
Opinião
por Artur Neves
Elia Suleiman é sem dúvida o
mais famoso realizador palestiniano cujos trabalhos são reconhecidos na Europa,
exibidos e premiados no festival de cinema de Cannes, que em 2019 destacou este
filme num intervalo de dez anos do seu anterior, em que Suleiman mais uma vez
explora a noção de nacionalidade com identidade e pertença, abordando as
caraterísticas dessas expressões com um humor inexpressivo, recriando situações
comuns que têm tanto de cómico como de irracional ou absurdo.
Não se pode dizer que é um
filme fácil. Suleiman é um realizador e intérprete do seu personagem à maneira
de Jacques Tati, mais observador do que comentador e que tal como Tatti compõe
habilmente os quadros que nos apresenta para tirar o maior proveito possível de
cada mordaça que exibe, através de um personagem mudo, frequentemente estático,
de óculos e chapéu de palha cujo arquear de sobrancelhas constitui a sua mais
poderosa ferramenta de comédia. Suleiman assume a liderança da história (uma sucessão
de casos quotidianos) interpretando um personagem de si mesmo que absorve os
absurdos do mundo ao seu redor e responde com o seu olhar e expressão facial
que valem mais do que 100 palavras.
Suleiman pertence à
comunidade ortodoxa grega Roum e para que o leitor possa formar uma ideia do
conteúdo do filme vou revelar-lhe a cena de abertura. Com o ecrã negro ouvem-se
vozes de várias pessoas rezando, quando aparece a imagem vemos tratar-se de uma
procissão que caminha em direção a uma igreja ortodoxa de portas fechadas. Na procissão,
um padre caminha no meio de um grupo de fiéis e emana preces que os fiéis
respondem que a salvação está no interior da igreja. Ao chegar à porta da
igreja, o padre solenemente bate três vezes e manda a porta abrir. A surpresa é
geral quando do interior da igreja um voz anuncia que se recusa a abrir a porta
e manda-os embora. O padre embaraçado, repete por mais três vezes a proclamação
solene da cerimónia e pelas mesmas vezes a mesma voz se recusa a abrir a porta
que os fiéis dizem ser da salvação. Já visivelmente zangado o padre entrega o
bordão a um fiel que está próximo, tira a mitra da cabeça e entrega-a a outro,
levanta as saias das vestes clericais e caminha em direção à porta lateral da
igreja que arromba com um pontapé, entra na igreja e ouve-se no exterior, castigar
à pancada os que no interior se recusavam a abrir a porta principal. A cena
termina assim.
Depois de outras cenas
significativas em Nazaré, sua cidade natal, Suleiman ruma a Paris e
posteriormente a Nova Iorque transmitindo-nos a ideia de um exílio permanente,
já que em qualquer das duas cidades visitadas ele não se sente mais confortável
do que em Nazaré, que não corresponde ao “lar” (ao home) que ele procura, depois da morte dos seus pais, razão última
para a sua demanda pelo mundo em busca de uma felicidade indefinível.
Em Paris e Nova Iorque
Suleiman mostra-nos com ironia, o absurdo duma perseguição policial em patins a
um suspeito só por ser estrangeiro, uma refeição familiar em Nova Iorque num restaurante
de fast food em que todos estão
armados, até as crianças, ou a paragem em frente de um edifício em Paris, que
exibe uma placa indicadora com a frase; “a comédia humana” numa clara
universalidade dessa comédia que nos atinge a todos, tornando irrelevante o
sítio onde estejamos, pois nas grandes cidades campeiam os mesmos absurdos de que
ele procurou fugir na sua cidade Nazaré.
Suleiman oferece-nos ainda a
figura do palhaço burlesco, próxima de Buster Keaton, pela forma como se apresenta
colocando-se sempre no papel do observador espantado que no fundo é o nosso
próprio papel neste mundo insano que nos rodeia. É um filme subtilmente
irónico, denunciador do absurdo e das incoerências existentes nas margens da
realidade. Gostei e recomendo.
Classificação: 7 numa escala
de 10
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