16 de julho de 2020

Opinião – “O Paraíso, Provavelmente…” de Elia Suleiman


Sinopse

ES escapa da Palestina em busca de uma pátria alternativa, apenas para descobrir que a Palestina está seguindo atrás dele. A promessa de uma nova vida transforma-se numa comédia de erros: por mais que ele viaje, de Paris a Nova Iorque, algo sempre o lembra de casa. Do premiado diretor palestiniano, Elia Suleiman, aparece-nos uma saga em forma de comédia que explora a identidade, nacionalidade e pertença, na qual Suleiman faz a pergunta fundamental: onde é o lugar que realmente podemos chamar de lar?...

Opinião por Artur Neves

Elia Suleiman é sem dúvida o mais famoso realizador palestiniano cujos trabalhos são reconhecidos na Europa, exibidos e premiados no festival de cinema de Cannes, que em 2019 destacou este filme num intervalo de dez anos do seu anterior, em que Suleiman mais uma vez explora a noção de nacionalidade com identidade e pertença, abordando as caraterísticas dessas expressões com um humor inexpressivo, recriando situações comuns que têm tanto de cómico como de irracional ou absurdo.

Não se pode dizer que é um filme fácil. Suleiman é um realizador e intérprete do seu personagem à maneira de Jacques Tati, mais observador do que comentador e que tal como Tatti compõe habilmente os quadros que nos apresenta para tirar o maior proveito possível de cada mordaça que exibe, através de um personagem mudo, frequentemente estático, de óculos e chapéu de palha cujo arquear de sobrancelhas constitui a sua mais poderosa ferramenta de comédia. Suleiman assume a liderança da história (uma sucessão de casos quotidianos) interpretando um personagem de si mesmo que absorve os absurdos do mundo ao seu redor e responde com o seu olhar e expressão facial que valem mais do que 100 palavras.

Suleiman pertence à comunidade ortodoxa grega Roum e para que o leitor possa formar uma ideia do conteúdo do filme vou revelar-lhe a cena de abertura. Com o ecrã negro ouvem-se vozes de várias pessoas rezando, quando aparece a imagem vemos tratar-se de uma procissão que caminha em direção a uma igreja ortodoxa de portas fechadas. Na procissão, um padre caminha no meio de um grupo de fiéis e emana preces que os fiéis respondem que a salvação está no interior da igreja. Ao chegar à porta da igreja, o padre solenemente bate três vezes e manda a porta abrir. A surpresa é geral quando do interior da igreja um voz anuncia que se recusa a abrir a porta e manda-os embora. O padre embaraçado, repete por mais três vezes a proclamação solene da cerimónia e pelas mesmas vezes a mesma voz se recusa a abrir a porta que os fiéis dizem ser da salvação. Já visivelmente zangado o padre entrega o bordão a um fiel que está próximo, tira a mitra da cabeça e entrega-a a outro, levanta as saias das vestes clericais e caminha em direção à porta lateral da igreja que arromba com um pontapé, entra na igreja e ouve-se no exterior, castigar à pancada os que no interior se recusavam a abrir a porta principal. A cena termina assim.

Depois de outras cenas significativas em Nazaré, sua cidade natal, Suleiman ruma a Paris e posteriormente a Nova Iorque transmitindo-nos a ideia de um exílio permanente, já que em qualquer das duas cidades visitadas ele não se sente mais confortável do que em Nazaré, que não corresponde ao “lar” (ao home) que ele procura, depois da morte dos seus pais, razão última para a sua demanda pelo mundo em busca de uma felicidade indefinível.

Em Paris e Nova Iorque Suleiman mostra-nos com ironia, o absurdo duma perseguição policial em patins a um suspeito só por ser estrangeiro, uma refeição familiar em Nova Iorque num restaurante de fast food em que todos estão armados, até as crianças, ou a paragem em frente de um edifício em Paris, que exibe uma placa indicadora com a frase; “a comédia humana” numa clara universalidade dessa comédia que nos atinge a todos, tornando irrelevante o sítio onde estejamos, pois nas grandes cidades campeiam os mesmos absurdos de que ele procurou fugir na sua cidade Nazaré.

Suleiman oferece-nos ainda a figura do palhaço burlesco, próxima de Buster Keaton, pela forma como se apresenta colocando-se sempre no papel do observador espantado que no fundo é o nosso próprio papel neste mundo insano que nos rodeia. É um filme subtilmente irónico, denunciador do absurdo e das incoerências existentes nas margens da realidade. Gostei e recomendo.

Classificação: 7 numa escala de 10

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