20 de junho de 2020

Opinião – “Vítima e Carrasco” de Mário Martone


Sinopse

Quando sua mãe morre aparentemente feliz, mas em circunstâncias curiosas e surpreendentes, sua filha Delia viaja para Nápoles para assistir ao funeral. Permanecendo na cidade ela tenta compreender o que foi a vida recente de sua mãe, começando a confrontar memórias de infância e procurando os seus protagonistas para reconstruir, com um olhar adulto, o que foi a história de família.

Baseado no romance de Elena Ferrante, L'Amore Molesto foi um dos filmes mais marcantes do Festival de Cannes de 1995. Mario Martone mergulha nas ruas de Nápoles, cidade de muitas cores e contrastes, onde Delia vive um tempo entre o passado e o presente, entre uma realidade e a imaginação fundamentada na memória.

Opinião por Artur Neves

Mais uma vez, o título atribuído em Portugal a este filme não contempla a subtileza que o romance de Elena Ferrante aborda, na história de um amor submisso entre uma mulher e seu marido possessivo e dominador, que exibe um autoritarismo que revela a sua própria fraqueza e frustração perante si próprio e perante a sua arte de pintura, que permanece ignorada do grande público que ele pretende conquistar.

Na interpretação direta do título português podemos inferir que o “carrasco” é o agente que mata a “vítima” quando na realidade o “carrasco” mais não é do que um pobre pintor de arte, andrajoso e solitário que vive em condições precárias e frequentemente bêbado, quando é descoberto em Nápoles por Delia (Anna Bonaiuto) em demanda das suas memórias e que no auge da sua vida, quando Délia o recorda na sua infância, reconhecia sem admitir que possuía mais mulher do que ele era homem para ela.

Delia é uma artista gráfica napolitana que vive em Bolonha e recebe um telefonema estranho de sua mãe Amália (Angela Luce), rindo abundantemente e mostrando uma alegria para a qual Delia não encontra motivos diretos nem tão pouco nos ruídos ambientais circundantes de onde a mãe lhe telefona. A chamada é curta, sem assunto definido e acaba abruptamente entre risos que soam a impaciência e nervosismo. Delia facilmente depreende que algo aconteceu, ou está acontecendo e tenta reatar a chamada sem sucesso. A mãe não atende. Poucos dias depois recebe uma chamada de um amigo, Filippo (Gianni Cajafa) tio de Delia, participando-lhe o falecimento da sua mãe que lhe motiva a deslocação a Nápoles.

Durante o funeral, na companhia das irmãs e do tio que a avisou, observa uma discussão acalorada entre Filippo e a figura perturbadora de um homem idoso que não conhece, não se apresenta nem lhe permite aproximar-se dele para conversar. O tio acusa-o como responsável pelo até aqui, alegado suicídio de Amália e isso adensa o mistério sobre as causas da morte de Amália que Delia se propõe investigar, nos dias seguintes ao funeral.

Começa então a “via sacra” de percorrer os últimos dias de Amália, habitando a sua casa, analisando os seus pertences e procurando entre os objetos e as memórias que estes lhe suscitam, explicações para o sucedido. Visita o seu pai (Italo Celoro) que continua na sua situação de falhado e atualmente mais velho e sem esperança e finalmente cruza-se com Caserta (Giovanni Viglietti) a tal figura misteriosa que viu no funeral, testemunha dos últimos momentos de sua mãe, seu amante, seu confidente, seu companheiro e apoio em todas as loucuras que a personalidade exuberante de Amália teimava em prosseguir.

Toda a história é nos contada no presente e no passado correspondente e tem contornos de thriller que o realizador não soube ou não quis aproveitar por respeito à obra que lhe deu origem. Só que, no centro desta história estaria Amália com todo o seu exotismo, sensualidade e força de mulher que o realizador transpõe para Delia. Esta porém, vítima de uma infância modesta, sob o jugo de um pai autoritário, perde-se entre as perguntas que formula através das suas memórias e as respostas que não quer ouvir por demasiado dolorosas. Caserta não lhe conta mais do que ela já sabe e a fotografia de Luca Bigazzi, mais preocupado em mostrar a beleza de Nápoles e a sua atmosfera humana, bem como a musicalidade do dialeto local deixam em segundo plano um enredo que fica à espera de ser contado de outro ponto de vista.

É ainda assim um filme interessante que concentra em Delia, (vestida com o vestido de sua mãe e que ela não acreditava que fosse), que ao percorrer em exaltação os lugares mais significativos de Nápoles nos conta uma história que se adivinha mas de que pouco se vislumbra.

Disponível na plataforma Filmin por €2,95, pesquisável pela designação em português.

Classificação: 5 numa escala de 10

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