Sinopse
Do vencedor do Oscar, chega
uma nova história oportuna e chocante de quatro veteranos afro-americanos; Paul
(Delroy Lindo), Otis (Clarke Peters), Eddie (Norm Lewis) e Melvin (Isiah
Whitlock, Jr.) que retornam ao Vietnam alegadamente, para procurar os restos
mortais do seu líder de esquadrão caído em combate, Stormin Norman (Chadwick
Boseman) e a promessa de recuperar o tesouro enterrado por eles na sequência da
queda do avião que o transportava. Os nossos heróis são acompanhados pelo filho
preocupado de Paul, David (Jonathan Majors), que os promete ajudar na força de combate
entre o homem e a natureza, enquanto são confrontados pelos estragos duradouros,
físicos e emocionais, da imoralidade e irracionalidade da guerra do Vietnam.
Opinião
por Artur Neves
Com uma oportunidade digna
de nota Spike Lee apresenta-nos um filme que resgata a participação dos negros
americanos na guerra do Vietnam, numa altura das mais intensas manifestações
anti racistas nos USA na sequência do assassinato do afro americano George Floyd
às mãos (literalmente; sob o joelho) de um polícia de Mineápolis no dia 25 de
maio de 2020. Este facto conduz a que este filme relembre a participação dessa
população no conflito que traumatizou a América nos anos 60 e questiona a
definição e o conceito de “supremacia branca”, e de “verdadeiros americanos”,
quando homens e mulheres negras continuam a servir e a morrer pelo país noutros
conflitos ao redor do mundo.
Com o resumo da história
descrito na sinopse o filme começa com imagens reais de conflitos raciais
anteriores, tal como a declaração de Muhammed Ali em 1978 de que “os vietcongs
eram menos racistas do que o povo do seu próprio país” e que lhe custou o
prémio de campeão de pesos pesados, seguindo com outras manifestações de
protesto conhecidas à época e terminando com a morte de Martin Luther King Jr,
como ensaio político sobre a violência histórica que a história pretende
documentar.
Dos quatro amigos que se
encontram na atual cidade de Ho Chi Minh, Saigão, cada um apresenta uma
personalidade particular bem definida em que; Paul é um fervoroso adepto de
Trump, Otis, o mais sério e responsável de todos, controla a aventura, Eddie,
um empresário de sucesso (que posteriormente saberemos que não é bem assim)
rico e gastador e Melvin que se apresenta como o mais apagado e indefinido de
todos, constituem uma equipa de “irmãos de armas” cujas diferenças se vão
acentuando ao longo da história de 154 minutos que não se sente tédio ao
passar, decorrente da sua movimentada ação, sempre mostrando um frémito de
energia e surpresa em cenas de elevado dramatismo.
O encontro entre os
veteranos de guerra é de descontração, amizade e recordação à mesa de um bar
chamado Apocalipse Now que nos trás memórias e sugere traumas. É o cinema a
alimentar o cinema que só os bons realizadores sabem utilizar.
Os sucessivos eventos da
história vão sendo apresentados tecendo uma intriga de textura multivariada de
diálogos, gestos, atitudes e propósitos objetivos inconfessáveis, pondo em
destaque a competência de Spike Lee para a ilustração de assuntos difíceis, já demonstrada
nesse outro filme que também aborda o tema do racismo; “BlackKklansman” de 2018,
em que os elementos de controvérsia política estão intrinsecamente unidos no
diálogo entre a população de uma cidade e sua polícia local.
Com o desenrolar da ação
vai-se tornando difícil distinguir a ironia entre amigos, da lealdade castrense
e dos objetivos individuais que lentamente vão revelando a sua verdadeira natureza,
graças aos extraordinários atores que desempenham personagens credíveis em
fervor de conflitos e nuances de comportamento,
manifestamente inspirados pelo sóbrio argumento escrito por Lee e Kevin
Willmott, que nos trás outra leitura da guerra do Vietnam que nunca tinha sido
abordada até agora, com muitas referencias explicitas ao legado americano em
Saigão, tais como, os estabelecimentos de fast
food, Pizza Hut, Rambo ou Chuck Norris como heróis remanescentes de uma
guerra inútil.
“Da 5 Bloods” no título
original, é uma experiência ainda desagradável da guerra do Vietnam que contém
comédia, dor, morte e ganancia, como se uma guerra nunca terminasse depois de
começada. Também tem alegoria à santidade, com a aparição do falecido Stormin
'Norman que perdoa Paul pela sua morte, como Cristo aos fariseus, mas
fundamentalmente oferece-nos uma justificação condenatória sobre a relação
entre racismo e guerra, com uma paixão alucinada de imagens e ideias fortes.
Muito bom, recomendo.
Atualmente só pode ser visto
na plataforma Netflix desde 12 de Junho.
Classificação: 8,5 numa
escala de 10
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