9 de junho de 2020

Opinião – “K.O.” de Fabrice Gobert


Sinopse

Antoine Leconte é um homem de poder - arrogante, dominante em seu ambiente profissional e vida pessoal. Admirado por alguns, odiado por outros, nada e ninguém resiste a ele ... Até o dia em que um de seus funcionários o ataca brutalmente. Quando ele recupera a consciência no hospital, nada é como era: Antoine se encontra no lugar de um homem comum, descendo a escada social e profissional - e ao seu redor, todos os papéis são invertidos. Isso é um sonho ou realidade? Uma conspiração? Um pesadelo? Esgotamento? ... Determinado a reerguer-se, Antoine terá que lutar para recuperar tudo o que perdeu, sonho ou realidade? Será uma conspiração contra ele? Ele está K.O.

Opinião por Artur Neves

Classificado como thriller, mas sugerindo um género na área do drama psicológico, este filme apresentado em antestreia na Festa do Cinema Francês de 2017, traz-nos uma história que dificilmente interpretamos como pertencendo à classificação atribuída, estabelecendo mais uma vez as significativas diferenças de conteúdo entre as cinematografias europeia e americana, que o nosso mercado tem tendência em nos servir sem distinção. O realizador Fabrice Gobert com uma ampla obra de argumentista e diretor de séries para televisão desde 2002, apresenta-nos aqui o seu primeiro trabalho para cinema muito bem conseguido.

Laconte (Laurent Lafitte) é um gestor de topo numa empresa de comunicações que age discricionariamente com todos os subordinados na perseguição voraz do sucesso absoluto que ele pretende alcançar para a empresa e para si próprio como objectivo último da sua passagem pela vida. Na sua vida privada, escassa e frugal, replica o mesmo comportamento reunindo-se de bens materiais avultados, onde desfruta de uma caricatura de vida sentimental, parca de afetos, na companhia da sua mulher, Solange (Chiara Mastroianni) que deambula solitária pela casa com muito pouca ligação com ele e com as suas necessidades, que ele satisfaz onde calha.

Porém, há sempre um dia em que tudo muda, e esse dia acontece quando na sequência de um enfarto ligeiro ele entra em coma e o seu cérebro letárgico reverte todos os conceitos estabelecidos fazendo-o “viver” uma vida oposta da que está convencido que é a que detém por direito, confrontando-o com a “vida” dos outros que ele subjuga.

Imobilizado na cama do hospital, o outrora poderoso Laconte, “faz-se” sofrer das dificuldades normais que provoca aos outros, como que vivendo a sua vida num espelho, que transforma a imagem simétrica do seu contrário, na realidade que ele é agora forçado a viver, coabitando e relacionando-se com todos os personagens da sua vida real, mas num patamar de igualdade que lhe é completamente estranho, contra o qual ele se revolta, e por isso luta com todas as suas forças remanescentes na memória passada.

Trata-se pois da luta interna deste homem, agora fragilizado pelo acidente vascular que sofreu, sendo confrontado com a sua fraqueza e normalidade humana que ele sempre recusou, que ele sempre escondeu sob o manto diáfano do despotismo em benefício de um bem maior, que subitamente, através de um evento violento o despoja das suas premissas e o confronta com uma vida e uma realidade que totalmente desconhece, embora sempre tenha vivido nela mas noutro contexto. Trata-se no fundo, do confronto connosco próprios para que possamos progredir para um nível superior de existência, se soubermos aprender e aceitar a oportunidade de redenção através do reconhecimento dos nossos erros.

Bem interpretado, escorreito no argumento, sem deixar pontas soltas e com uma história interessante sobre o verdadeiro “eu” de um personagem que se confunde entre a realidade, e a fantasia com que está sonhando, constituindo aqui um bom exemplo da cinematografia francesa moderna de qualidade. Recomendo.

Disponível na plataforma Filmin para o utilizador, pelo preço de €3,95 durante 72 horas.

Classificação: 7 numa escala de 10


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