3 de junho de 2020

Opinião – “Ema” de Pablo Larraín


Sinopse

Depois de um longo e penoso processo de adoção, Ema, uma bailarina de "reggaeton", e o seu marido, Gastón, ficam responsáveis por cuidar de Polo, um menino órfão que nunca conheceu a estabilidade de uma família. A adaptação revela-se mais difícil do que imaginavam e algum tempo depois, Polo provoca um acidente que fere gravemente a irmã de Ema. Este incidente terrível deixa marcas e faz com que Ema tome a decisão de devolver a criança. Isso vai mudar radicalmente a forma como Ema e Gastón se vêem um ao outro, a si mesmos e ao mundo que os rodeia.

Opinião por Artur Neves

A sinopse anterior descreve o essencial deste “Ema” realizado por Pablo Larraín realizador Chileno nascido em 1976 que inclui no seu curricula cinematográfico obras tão diferentes como “Não” de 2012, um filme sobre revolta e direitos humanos contra a ditadura de Pinochet, “O Clube” de 2015 em jeito de denúncia sobre pedofilia praticada por religiosos católicos, que representa o seu filme mais emblemático, ou “Jackie” de 2016 sobre Jacqueline Kennedy Onassis, em jeito de novela, apresenta-nos agora este “Ema” cujo enredo apenas serve para suportar as personagens que o desempenham em diferentes situações, as suas vivências, objetivos, filosofias de vida, não sendo a história o mais importante, que apenas serve como fio condutor dos eventos que nos vão sendo mostrados durante cerca de 107 minutos.
“Ema” estreou no Festival de Cinema de Veneza de 2019 e quem conhece Larraín através das obras anteriormente citadas ou de outras de relevo semelhante, como “Tony Manero”,de 2008, sobre a angustiante figura e personalidade de um dançarino clássico, vai estranhar esta incursão no mundo da dança moderna e do "reggaeton", uma dança popular imbuída de uma expressão corporal intensa e culto da figura, com a qual Larrain parece algo perdido e só remotamente parece conhecer na sua essência. Recorde-se ainda que Larrain pertence a uma família da classe alta do Chile que apesar de no tempo de ditadura terem apoiado Pinochet, não o impediu de realizar “Não”, que constituiu o mais popular libelo acusatório contra os anos de chumbo desse período histórico.
Ema (Mariana Di Girolamo) é uma jovem bailarina que exprime através dessa arte os seus desejos, frustrações e tendências pirómanas, que funciona como metáfora para a combustão das sua múltiplas paixões, (ela chega a dançar com uma garrafa de combustível ás costas e um lança chamas na mão que inclui na coreografia) revolta-se contra o facto do seu marido e coreógrafo Gastón (o mexicano Gael García Bernal) não ser capaz de a engravidar para lhe permitir ser mãe natural, o que justifica a adoção de Polo (Cristián Suárez) um órfão a quem ela transmite as desilusões da sua vida e promove uma educação disruptiva no sentido da promiscuidade e da auto destruição que vitimou a sua irmã com fogo e que neste filme se torna um elemento fundamental da narrativa.
Esse evento promove o abandono de Polo e a separação do casal, depois de diversas acusações mutuas em que se revelam coisas que não vimos, nem sabíamos até ali, mas que permitem por parte dos atores interpretações credíveis, intensas, com Ema a polarizar toda a ação, de olhos fixos no “inimigo” (para ela todos o são) cabelos constantemente oxigenados e penteado agarrado à cabeça, numa atitude pós adolescente agressiva, disposta a desafiar todos os que interferirem no seu caminho.
Na sua ânsia de agarrar a vida procura outro parceiro, que mais tarde viremos com surpresa saber de quem se trata, embora em todo o filme o universo da dança reflita bem o seu desejo incontornável por liberdade e por protagonismo na vida de todos os que a cercam.
Ela deseja ser livre com a mesma intensidade com que deseja ser mãe, não avaliando a incompatibilidade entre esses objetivos, porque o seu desejo de maternidade decorre da sua turbulência emocional vivida na infância, para a qual a piromania funciona como o meio de eliminar o passado que lhe é doloroso. É por tudo isto que “Ema” é estranho ao universo de Larrain, considerando que apesar de existir uma história, um substrato coerente emocionalmente válido e escorreito, ele deixa tudo nas mãos de um personagem tão indomável como indefinível que se consome no fogo que deliberadamente espalha.
“Ema”, está disponível nas plataformas Netflix por assinatura, ou em Filmin, pelo preço de €3,95, sem contrato nem fidelização durante 72 horas.

Classificação: 6 numa escala de 10

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