28 de maio de 2020

Opinião – “Give me Liberty” de Kirill Mikhanovsky


Sinopse

Vic, um jovem desafortunado russo-americano, conduz uma carrinha de transporte de pessoas incapacitadas em Milwaukee. Já atrasado, num dia em que começam protestos, e à beira de ser despedido, concorda, relutantemente, em levar o avô e vários idosos russos a um funeral. Quando pára num bairro predominantemente afro-americano para ir buscar Tracy, uma jovem com esclerose lateral amiotrófica, o dia de Vic vai de mau a pior.

Opinião por Artur Neves

Esta é mais uma obra apresentada no festival de Sundance Film Festival de 2019, essa montra generosa que privilegia filmes de baixo orçamento e produção independente, fundada em Agosto de 1978 por Robert Redford, na capital do estado do Utah, a cidade de Salt Lake City tendo cumprido até agora os objetivos propostos, apresenta-nos esta história dirigida por Kirill Mikhanovsky, um realizador russo que se inspirou nos seus tempos iniciais como emigrante em Milwaukee, em 1993, onde serviu como motorista de transporte de pessoas com deficiência, e se confrontou com situações caricatas mas de elevado conteúdo humanista que agora, num tom habilidosamente ligeiro transportou para cinema.
Vic (Chris Galust) está num dia complicado pelo atraso que já regista na sua volta programada devido a diversas manifestações públicas contra a ocorrência de um tiroteio policial num bairro negro, que o fazem procurar alternativas ao percurso estabelecido. Não obstante, os imigrantes russos que moram no prédio onde ele visita o seu avô, pedem-lhe para os levar ao cemitério para as exéquias de um falecido que pertencia à comunidade. Vic sabe que o transporte que os devia levar já sofre um significativo atraso pelo que ele assume mais essa tarefa de transportar o grupo.
A habilidade de Mikhanovsky leva-o a pegar em pessoas deficientes reais, membros da comunidade russa imigrante de Milwaukee, frequentadores regulares do Eisenhower Center da cidade, incluídos num grupo de apoio de pessoas com deficiência e transforma-os em atores que exibem com a genuinidade inerente os seus medos, fragilidades e carências que compõem esta comédia, refinadamente caótica e imprevisível.
São pessoas despojadas do glamour do palco que exibem as suas carências naturais de atenção, excesso de solidão e prioridades avulsas, mostrando com o realismo rústico da sua existência as dificuldades levantadas numa viagem, num dia particularmente intenso e frio do inverno do Wisconsin.
Vic tem de seguir, embora remotamente, o plano estabelecido pela empresa de transporte onde trabalha, as coisas já estão a correr suficientemente mal com o seu patrão para que ele, sempre que é contactado por este, refira que se encontra a 10 minutos do destino, quando em boa verdade, devido às alternativas de percurso que tem de encontrar, seja impossível calcular o tempo em falta.
A “cereja no topo do bolo” é Tracy (Lauren “Lolo” Spencer) que num desempenho digno de registo se assume como defensora de pessoas com deficiência tendo obrigações de horário a cumprir para ajudar um amigo, Steve (Steve Wolski), que vai a uma entrevista de emprego. Por outro lado quem mais ajuda Vic e desestabiliza o grupo, é um pugilista russo, desempregado, barulhento e brigão, Dima (Maxim Stoianov) que entra em conflito com Tracy, portadora de ELA e tem de manobrar a sua cadeira de rodas motorizada, no interior de uma carrinha lotada de pessoas que reclamam, protestam e cantam canções folclóricas russa acompanhadas por um acordeão que rouba espaço necessário à cadeira de rodas.
É mais um filme sem heróis, que se desenvolve notavelmente pela sua autenticidade. A deficiência não é usada como lamentação de pessoas incapazes e incompletas ou como compensação moral da ajuda prestada pelas pessoas saudáveis. Mikhanovsky, a maior parte do tempo de câmara na mão, assume o compromisso de mostrar um nicho de sociedade marginalizada, cujas reflexões sobre a vida e o amor recentram a história em padrões comuns que proporcionam lindos momentos de tranquilidade e repouso naquela atribulada viagem.
Disponível na plataforma Netflix desde 12 de maio. Muito interessante.

Classificação: 6 numa escala de 10

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