Sinopse
Carismático
e complexo, Sergio Vieira de Mello (Wagner Moura) passou a maior parte de sua
carreira como um diplomata da ONU trabalhando nas regiões mais instáveis do
mundo, alcançando habilmente acordos com presidentes, revolucionários e criminosos
de guerra para proteger as vidas de pessoas comuns. Mas, assim como se prepara
para uma vida mais simples com a mulher que ama, Carolina Larriera (Ana de
Armas), Sergio assume uma última missão no Iraque, em Bagdad, recém mergulhada
no caos após a invasão americana. A tarefa deveria ser breve mas acabou, quando
a explosão de uma bomba fez ruir o edifício da sede da ONU tendo ele sido
arrastado pelo desmoronamento, a que se seguiu uma emocionante luta pela vida
sob os escombros. Inspirado num personagem real e no evento que o vitimou, “Sergio”
é um drama abrangente focado num homem levado aos seus limites físicos e
emocionais ao ser forçado a confrontar as próprias escolhas em relação a
ambições, família e capacidade de amar.
Em exibição na plataforma
Netflix desde 17 de Abril.
Opinião
por Artur Neves
Esperado com alguma
expectativa, considerando que saía das mãos de um documentarista consagrado, já
conhecido pelos seus múltiplos trabalhos neste género, tanto para cinema como
para televisão, este biopic hagiográfico
resume-se a uma rotunda deceção, não só na sumária descrição dos factos, como
na tentativa bacoca de transformar um homem bom, um diplomata competente e
astuto num beato santificável por qualquer igreja cristã, retirando-lhe
qualquer hipótese de autenticidade na sua atividade profissional.
Após uma breve introdução a
história começa com o ataque à sede das Nações Unidas no Iraque, ordenada por
Abu Musab Al-Zarqawi, líder da Al-Caeda na altura, que apesar de ter sido
desmantelada pelo exército americano deu origem à organização terrorista Estado
Islâmico (ISIS). O colapso da parede frontal e da estrutura de betão do Hotel Canal
arrastou para a cave alguns ocupantes, entre os quais Sergio Vieira de Mello,
que ficou preso sobre os escombros.
É nessa agonia sob o peso
das pedras que o retém que Sergio recorda em flashback a sua vida passada, que o filme não respeita a dimensão
do diplomata, e afoga as suas revelações políticas em sentimento perdendo-se em
múltiplas e recorrentes divagações sobre o seu romance com Carolina (uma
economista da ONU de nacionalidade argentina) em todas as latitudes para onde
ele se deslocou e teve intervenção.
Conheceram-se no Rio de
Janeiro, mas se o argumento nesse ponto pelo menos for fiel ao original, ela acompanhou-o
por todos os locais, ou pelo menos encontraram-se em todos os locais onde ele
procurou cumprir a sua missão defendendo os direitos humanos. Aliás isso nem
sequer é estranho, Sergio estava separado legalmente há mais de quinze anos da
sua ex-mulher Annie com quem teve dois filhos, portanto era normal que quisesse
refazer a sua vida com quem se identificasse com ele, mas o filme, com Wagner
Moura, um ator brasileiro muito frequente em telenovelas a interpretar Sergio,
só podia descambar para o romance fácil de cariz telenovelesco.
As missões no Camboja, onde
foi o único representante da ONU a estabelecer relações com o Khmer Vermelho, Ieng
Sary, (na realidade eles não foram colegas na Sorbonne, como o filme reporta, nem tão foi fácil alcançar o acordo)
tendo chegado a um acordo de repatriação de refugiados, ou quando se mostra
inflexível contra o branqueamento dos crimes do governo indonésio em Timor
Leste, o filme dedica-lhes passagens de raspão, adocicadas mais uma vez pela
presença de Carolina e do romance de ambos, onde reafirmam o seu amor com um
beijo sob uma chuva torrencial.
Sobre as missões no Bangladesh
em 1971, no Sudão e em Chipre, após a invasão turca em 1974, ou
em
Moçambique, durante a guerra civil que se seguiu à independência do país, em
1975, ou ainda quando integrou a primeira força de paz na Croácia e na Bósnia e
Herzegovina, durante as guerras da Jugoslávia, nem uma palavra ou sequer uma menção,
provavelmente porque Carolina ainda não estava envolvida com ele e o foco do
filme está na história de amor, mais suscetível de render créditos de
bilheteira.
Além disso a narrativa do
argumento mostra-se frágil, quando não valoriza os múltiplos atentados no
Iraque, depois da truculenta intervenção americana que gera clara tensão
relacional entre Sergio e Paul Bremer (Bradley Whitford) que representava o
presidente George W. Bush no Iraque, devido às profundas divergências de
conceito sobre o papel da ONU no conflito.
Sergio não compreende o
excesso de utilização da força armada que provoca a violação dos direitos
humanos, em confronto com a diplomacia que ele se propõe exercer, e o
desenvolvimento desta relação conflituosa poderia ter conferido ao filme a
componente intelectual de que tanto necessita.
Esperemos por um futuro remake,
que dignifique esta personalidade mundial, ímpar. Por agora fica apenas uma
história “em modos de assim…”.
Classificação: 3 numa escala
de 10
Sem comentários:
Enviar um comentário