7 de abril de 2020

Opinião – “Programa da Noite” de Nisha Ganatra


Sinopse

Um famoso programa de televisão nos Estados Unidos tem como âncora Katherine Newbury (Emma Thompson), uma mulher de temperamento forte, com uma sólida carreira no mundo do entretenimento, mas com muitos inimigos pelo caminho. O seu império começa a desmoronar quando é acusada de ser antifeminista por ter apenas homens como guionistas. Assim, contrata Molly (Mindy Kaling), com quem inicialmente não tem um bom relacionamento. No entanto, o programa sofre uma queda abrupta de audiências e a abordagem inovadora de Molly pode ser indispensável para salvar a carreira de Katherine.

Opinião por Artur Neves

Mais uma sugestão para suportar estes tempos que não se recomendam mas que se impõem pela dimensão da sua ameaça. Este filme traz-nos a vida por detrás das câmaras, dos enterteiners de sucesso que ocupam o prime time das cadeias de televisão que no final se servem deles para nos veicularem a publicidade dos produtos que vendem. Porém, eles são também pessoas com problemas comuns que Mindy Kaling, atriz secundária neste filme, usou para construir o argumento desta ficção de comédia, apimentada com um drama de vida.
A realizadora Nisha Ganatra, canadiana de nascimento, não é propriamente uma novata neste género, considerando o seu histórico de realização e aproveitou bem a iniciativa de Molly Patel (Mindy Kaling) uma engenheira indiana nascida na América que trabalhava na industria química contra a sua vontade, apesar de ter formação para isso, contrariando a sua vocação de escritora e que consegue emprego na equipa de Katherine Newbury (Emma Thompson) depois de esta ter sido admoestada para o declínio criativo e comercial do seu programa, baseado na redução do share de audiências e da sua recusa em trabalhar com mulheres.
Katherine por seu lado não é flor que se cheire, distante, arrogante no trato, sempre de sobrancelhas levantadas, distribuindo sorrisos preparados embora não sentidos, fechada numa redoma que a isola do contacto com a cultura jovem e com os movimentos de mudança tecnológica que pululam em torno dela e ela não quer ver.
Adicionalmente a isso, o seu marido Walter Lovell (John Lithgow) está moribundo em casa, agarrado à cama por doença que lhe tolhe os movimentos, embora os diálogos nos informem que nem sempre foi assim noutros tempos, hoje ele é apenas um homem vencido, com um temperamento gentil e sofredor que ainda apoia Katherine nesta fase menos feliz da sua carreira.
É neste contexto que Molly Patel é admitida e introduzida no grupo de argumentistas que trabalham para Katherine, todos homens, com vários anos de experiência, de quem ela se recusa a trata-los pelo nome, referindo-se a eles por um número que aleatoriamente lhes atribuiu. É aqui que a história se revela como uma ficção absoluta, por improvável possibilidade que o ambiente teria de ter sido revertido por uma pessoa como Molly, que embora séria, com talento e capacidades empreendedoras, não possui um pensamento naturalmente cómico para contribuir para a reformulação dos scripts do programa.
Todavia, entre Molly e Katherine começa a formar-se uma estranha relação de cumplicidade, apesar de possuírem temperamentos diferentes por serem ambos tendencialmente depressivos e a sua vivência no meio de pessoas obcecadas pela pressão da sua profissão e dos prazos a cumprir, naturalmente desajeitadas para as relações humanas, estabelecerem uma ponte para compensar as suas fraquezas e os seus desejos de sucesso. Katherine reconhece o empenho de Molly ao saber que ela frequenta um clube de stand up comedy como formação para o desempenho da sua função, todavia continua a ser questionável, como é que duas pessoas tão diferentes poderiam encontrar pontos de aproximação.
Como espetáculo este filme oferece-nos os excelentes desempenhos de Emma Thompson e Mindy Kaling em personagens que desenvolvem uma química que ultrapassa a relação patrão – empregado e vivenciam mutuamente as suas carreiras do ponto de vista diferente que cada uma possui.
Molly é um peixe fora de água, Katherine é um falcão ferido por um deslize fatal, que tem de lutar pelo seu programa e pela sua reconciliação familiar, numa história que o fará sorrir e também pensar nas grandezas e misérias desta vida.
Pode ser visto no Netflix, Amazon Prime vídeo, ou através de DVD adquirido na Fnac, com o nome original de “Late Night”.

Classificação: 6 numa escala de 10

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