Sinopse
Fabienne
(Catherine Deneuve), um ícone do cinema, é a mãe de Lumir (Juliette Binoche),
que escreve argumentos em Nova Iorque.
A
publicação das memórias daquela grande atriz leva Lumir a regressar à casa da
sua infância, com a família.
Mas
o reencontro depressa virará confrontação: verdades abafadas, rancores
inconfessados e amores impossíveis revelam-se sob os olhares espantados dos
homens. Fabienne está a fazer um filme de ficção-científica onde tem o papel da
filha envelhecida de uma mãe perpetuamente jovem. Realidade e ficção
confundem-se, obrigando mãe e filha a reencontrar-se…
Realizado pelo japonês
Hirokazu Koreeda, “A Verdade” é o primeiro filme do realizador após a nomeação
de ‘Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões’ ao Óscar de Melhor Filme
Estrangeiro.
Opinião
por Artur Neves
A primeira coisa que me
surge para dizer sobre este filme é que é um filme estranho, se não vejamos:
Realizado pelo japonês Hirokazu Koreeda detentor da Palme d’Or em Cannes 2018 com o filme “Shoplifters: Uma família de
Pequenos Ladrões” a dirigir um filme de ficção científica em França, com Fabienne
Dangeville (Catherine Deneuve), que com 73 anos é mais velha do que a mãe, Amy
(Ludivine Sagnier) que não envelhece por estar a viver num outro planeta longe
da Terra e deslocou-se para ver a filha.
Por seu lado Fabienne,
recebeu a visita da filha, Lumir (Juliette Binoche) argumentista, que vive em
Nova Yorque com seu marido Hank (Ethan Hawke – um ator que nunca valorizei mas
que está francamente a melhorar) e a filha do casal, Charlotte (Clémentine
Grenier) numa história de família falada em Francês e Inglês, incluindo a pequena
Charlotte, um cão, mas que nem ladra e um cágado… obviamente mudo.
Confuso?... eu também
fiquei, mas as coisas vão-se compondo com uma história irónica, uma Fabienne
coquete que se assume como mentirosa, alegando que por ser atriz tem todo o
direito para tal e uma Lumir que viaja até à Europa para assistir ao lançamento
do romance autobiográfico da mãe, depois de lhe corrigir a versão final do
texto, reconhecendo-lhe as inverdades que ela recorda de atenções e cuidados
pela filha, mas de que ela não se lembra e os contesta.
Fabienne não liga muito ao
assunto nem às correções apontadas pela filha e admite alegremente as falhas referidas
por Lumir justificando-se com o facto de a verdade ser mais chata do que a
versão que ela arranjou para o livro, ter querido ser melhor atriz do que
realmente é, ser egoísta, frívola, sem instintos maternais e oportunista em
usar os outros a seu belo prazer, fazendo-se amar apenas pelos que não a conhecem
ou privam de perto com ela. Despachou o marido, pai de Lumir, e vive já com o
terceiro substituto cuja principal caraterística é servir-lhe sempre o chá à temperatura
que ela gosta, apesar de ser um desastre na cama.
Uma temática destas não é
comum em filmes franceses, particularmente com atores tão significativos da cultura
francesa, portanto só pode ser classificado como um filme estranho. Por outro
lado parece ser uma imagem invertida de “Shoplifters”, onde se conta uma
história de estranhos que parecem ser parentes. Aqui, conta-se a história de
parentes que parecem ser estranhos e constitui o grande trunfo de Koreeda que
nos “pinta” um quadro de família comovente e caloroso, com ironia e malícia
suficiente que nos prende em diálogos surpreendentes.
Considerando obras
anteriores deste autor, tais como; “Andando” de 2008 ou “Tal Pai Tal Filho” de
2013, pode concluir-se ser mais uma manifestação da tendência de escalpelização
das relações familiares de Koreeda, que nos oferece a sua visão perspicaz e
inteligente sobre a natureza dos relacionamentos entre pais e filhos e a sua
evolução numa família moderna onde as coisas não acontecem como
tradicionalmente deveriam acontecer, ou esperamos que aconteçam.
Por oposição, decorrem as
relações entre Fabienne e Amy no filme de ficção científica que ambas estão a filmar
e que tanto desagrada a Fabienne, que tem de ser forçada a voltar ao estúdio
para que não seja acusada de rutura de contrato.
Trata-se portanto de uma
história ousada que identifica a família como uma coisa viva, animada, onde é
perigoso confiar totalmente na justeza da memória do passado, retirando-lhe a
oportunidade de se renovar e de se compor com novas realidades. Algo complexo mas
interessante, recomendo.
Classificação: 7 numa escala
de 10
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