19 de março de 2020

Opinião – “Lost Girls” de Liz Garbus


Sinopse

Quando Shannan Gilbert, de 24 anos, desaparece misteriosamente certa noite, a sua mãe Mari (Amy Ryan) inicia um percurso obscuro onde tem de encarar difíceis verdades sobre a sua filha, sobre si própria e ainda a indiferença da polícia.
Determinada a encontrar a sua filha, Mari Gilbert revisita os últimos passos conhecidos de Shannan, levando a cabo a sua própria investigação que a conduz a uma comunidade fechada nos arredores de Long Island. As suas descobertas obrigam as autoridades e os meios de comunicação a revelar mais de uma dezena de homicídios de profissionais do sexo por resolver - vidas de jovens que Mari não deixará que caiam no esquecimento.
Inspirado no livro "Lost Girls: An Unsolved American Mystery", de Robert Kolker.

Opinião por Artur Neves

Nestes dias estranhos o streaming da Netflix é uma opção para a ocupação do tempo que nos resta e no caso do presente filme trata-se de mais uma teatralização da vida real com base numa história verídica, que infelizmente não é nova, ao ponto de já pertencer a um livro que não permite que estes casos caiam no esquecimento.
A história que este filme nos conta é real e sombria e relata o mistério do desaparecimento de uma profissional do sexo de 24 anos que sendo perseguida na noite do dia 1 de Maio de 2010 e apesar de conseguir realizar uma chamada para a linha de emergência e de pedir socorro, não foi atendida e a polícia demorou dias antes de organizar uma investigação, depois da comunicação de desaparecimento feita pela sua mãe e após transcorrido o prazo legal para que a sua ausência seja considerada desaparecimento, a partir da data da denúncia.
No telefonema ela ainda conseguiu gritar “eles estão tentando matar-me” mas a hora avançada e o local da chamada, indiciavam uma atividade censurável muito comum da zona que implica um estigma social. Só uma mãe lamenta a sua filha desaparecida, seja ela trabalhadora do sexo ou não, e sabe que ela nunca será considerada como; “amiga, filha, irmã” de alguém, mas sempre e só, com o estigma da sua atividade.
Embora a história reporte um caso de polícia o argumento faz da mãe de Shannan Gilbert a protagonista, com o sabor amargo de ser também corresponsável pela atividade profissional da fila decorrente do abandono a que a votou, na sequência do seu divorcio, crise de bebida e droga e abandono pessoal.
Hoje Mari já está recuperada, procura a redenção através da sua luta diária em manter a estabilidade social e suprir as necessidades das suas duas filhas mais novas, através do trabalho que desenvolve em dois empregos modestos em Ellenville, Nova York. Todavia isso não lhe alivia o remorso das muitas coisas que ela não sabia, ou que recusava saber, sempre que pedia dinheiro a Shannan Gilbert para satisfazer os seus vícios.
É também a história de uma mulher com raiva de si, que não pode aceitar sozinha o remorso da sua culpa, tentando incluir a sociedade que igualmente não lhe foi favorável. Ela acusa a polícia de inação e desinteresse, afirma que fez tudo pela filha, sem acreditar no que diz e movida pela vergonha, organiza uma manifestação de protesto com as mães das outras raparigas, cujos cadáveres foram encontrados pela polícia na mesma área, quando finalmente se decidiram iniciar uma investigação. Mari (Amy Ryan) constrói aqui um personagem credível de meia idade, com um rosto duro e sem brilho, emoldurado por uma cabeleira loura que contrasta com a sua expressão de raiva e remorso.
É pois uma história multifacetada que apresenta uma atitude defensiva e reacionária da polícia, que se opõe à angústia de mães enlutadas, em luta contra a proteção das autoridades aos ricos e poderosos que embora suspeitos, não passam dessa condição. Aliás, Richard Dormer (Gabriel Byrne) encarregado da investigação é um homem cansado, vencido pela vida e à beira da reforma que ele não pretende complicar. Interessante e emotivo, vale a pena ver.

Classificação: 6 numa escala de 10

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