5 de março de 2020

Opinião – “Os Melhores Anos da nossa Vida” de Claude Lelouch


Sinopse

Eles tinham-se conhecido há muitos anos, um homem e uma mulher cujo fascinante e inesperado romance, mostrado no agora icónico filme, revolucionou a forma como compreendemos o amor.
Hoje, o antigo piloto de automóveis de corrida parece incapaz de aceder às suas memórias; para o ajudar, o filho procura a mulher que o seu pai não conseguiu conservar, mas de quem não cessa de falar.
Anne volta a reunir-se com Jean-Louis e a ligação entre os dois recomeça no ponto onde eles a tinham deixado…

Opinião por Artur Neves

Claude Lelouch, atualmente com 83 anos, não se liberta da sua icónica obra-prima dos anos sessenta “Um Homem e uma Mulher” de 1966, filme largamente premiado e vencedor do Oscar desse ano, em que o jovem piloto de automóveis, Jean-Louis (Jean-Louis Trintignant) vive um tórrido caso de amor, simples mas sublime, com Anne (Anouk Aimée) e do qual já fez um remake em 1986, “Um Homem e uma Mulher: 20 anos depois” cuja aceitação crítica não pôde ter influenciado este retorno ao tema, pois esse filme ficou perdido na espuma do tempo, tal como até hoje se mantém.
Confesso que este autor já foi um dos meus preferidos naquele tempo, complementado com duas obras que reputo de muito interessantes; “Toda Uma Vida” de 1974, como introdução e “rascunho” de argumento do também icónico “Uns e os Outros” de 1981, onde ele retrata magistralmente o pós guerra europeu de 1939-45, entretecendo personagens significativos para época, numa história que contempla os sobreviventes do Holocausto e culmina na magistral interpretação do Bolero de Ravel, por Rudolf Nureyev na praça Trocadero em Paris.
Desta vez Lelouch junta novamente Anne e Jean-Louis, com 86 e 88 anos respetivamente, ela francamente mais apresentável e vibrante do que ele, que exibe uma lamentável impotência física e mental. Ele está ligado a uma cadeira de rodas, passa todo filme sentado na cadeira ou num sofá onde revê a sua antiga apaixonada e a reconhece brevemente por um movimento de remoção do cabelo dos olhos, mas toda a conversa entre os dois remete-se ao que foram, ao que sentiram e às memórias do que viveram que para Jean-Louis são sempre remotas e vagas. O único momento em pé de Jean-Louis é quando, ajudado por Anne, executa uma transição entre o sofá e a cadeira de rodas que promove a sua locomoção.
A magia do encontro é preenchida com flashbacks do passado que ambos viveram extraídos do filme de 1966, quando sentados no jardim da casa de repouso que serve de abrigo a Jean-Louis, ou em pequenos passeios no Citroen 2CV de Anne, que se vêm a revelar sonhos e devaneios da mente perturbada de Jean-Louis, enquanto sonha acordado com o amor que viveu e os fragmentos que recorda.
A velhice, a degradação física e mental das pessoas não será o elemento real mais importante para exibir num filme e por mais curioso que seja, ver Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée representarem os personagens que os fixaram no nosso imaginário, talvez pela última vez, não terá o mesmo impacto nas novas gerações até aos 30 anos, para os quais o “amor dos avós” significa apenas um dos factos que lhes deu origem, ou para a geração até aos 60 anos, em que se consciencializa a eventual inevitabilidade daquele futuro mas que todavia desconhece e não quer partilhar, ou na geração posterior, que se assistir ao filme o olhará com indiferença, porque naturalmente a imagem refletida naquele “espelho” não é reconfortante para a consciencialização das suas capacidades perdidas.
A reunião tardia entre Anne e Jean-Louis, revivendo o amor que viveram e os lugares onde o praticaram, poderia ter acrescentado algo de novo á criação cinematográfica, mas tal não aconteceu decorrente da demasiada recorrência ao filme de 66, em confronto com uma realidade bem diversa que nada tem a ver com a desse tempo passado. O modo de Lelouch filmar é idêntico, a envolvência das emoções pela música também, mas o primeiro é vida pulsante, o segundo é o prenúncio da morte e cabe-nos a nós próprios definir o momento de sair de cena pelos nossos próprios meios.

Classificação: 4 numa escala de 10

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