Sinopse
1770. Marianne é pintora e
tem de pintar o retrato de casamento de Héloïse, uma jovem que acaba de sair do
convento. Héloïse resiste ao seu destino de esposa, recusando posar. Marianne
tem de a pintar em segredo. Apresentada como dama de companhia, observa-a todos
os dias.
Opinião
por Artur Neves
Céline Sciamma, autora e
realizadora francesa nascida em 1980, mostra-nos este drama humano de
sensualidade reprimida situado na frança do século XVIII, que se assume como um
manifesto feminista corajoso e direto contra o sexismo patriarcal da época, mas
que ainda hoje se pode entender como atual.
O filme foi nomeado para
competir no Festival de Cannes de 2019, tendo ganho o Queer Palm sendo o primeiro filme com este galardão realizado por
uma mulher. Céline Sciamma ganhou o prémio de melhor argumento e numa primeira
apreciação posso dizer tratar-se de um filme magnífico, considerando a subtil
delicadeza com que a autora nos consegue transmitir a indução amorosa estabelecida
entre duas mulheres. O resumo do argumento está bem condensado na sinopse deste
filme, só de mulheres e em que os homens são totalmente secundarizados e
circunscritos a interpretações marginais absolutamente descartáveis.
A história real do filme é o
desenvolvimento do amor devastador, absoluto e completo que desponta entre Marianne
(Noémie Merlant) e Héloïse (Adèle Haenel) muito embora ambas saibam ser
impossível por corporizar um casal incompatível com as convenções da época. Embora
numa primeira fase elas tentem ignorar a atração irresistível que experimentam
no amor proibido, a paixão é mais forte e os corpos sucumbem ao desejo que as
consome.
Céline Sciamma sabe mostrar-nos
os artifícios dos olhares roubados, dos silêncios plasmáticos, que servem para
reter a imagem a representar na pintura, mas nós o que vemos é o exercício de observação
de Marianne, que observa Héloïse, que observa Marianne num crescendo de
interesse mútuo, de erotismo, de sensibilidade feminina contida pela conveniência
das posições que cada uma ocupa e da coragem individual para revelar as suas
pulsões, mas que o público fica completamente informado aonde isso levará.
Sciamma não está só, pois a diretora
de fotografia Claire Mathon que a acompanha, sabe extrair das imagens toda a
sinceridade do amor descoberto, que conferem à história uma fluidez e uma
beleza visual que se adapta perfeitamente à placidez do relacionamento entre
uma aristocrata e uma pintora contratada pela futura sogra, La Comtesse (Valeria
Golino) para lhe fazer um retrato que será apresentado ao futuro marido de quem
ela apenas sabe, ser natural de Milão.
Para lá do assunto central temos
ainda a jovem criada da casa Sophie (Luàna Bajrami) grávida não se sabe de quem,
mas que pretende interromper a gravidez e é levada a correr a “via sacra” das parteiras
e curandeiras da vila com a complacente ajuda de Marianne e Héloïse, conferindo
ao papel de Sophie uma dimensão maior no lugar destinado às mulheres na
sociedade daquele tempo que só adiciona valor ao propósito que motivou Sciamma
a desenvolver este argumento.
O guarda-roupa de Dorothée
Guiraud é igualmente impressionante conferindo aos personagens a dignidade das
suas posições sociais, sem adornos supérfluos e com uma precisão minimalista,
austera, convincente e real. “Retrato de uma Rapariga em Chamas” faz parte de uma
cinematografia sensual que se afirma por amor silencioso e olhares tristes e
profundos, desempenhado por mulheres lindas no corpo de atrizes ótimas. Gostei
e recomendo.
Classificação: 8 numa escala
de 10
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