Sinopse
O
filme conta a história de Daniel, um jovem de 20 anos, preso num centro de
detenção juvenil que, após uma experiência espiritual transformadora, pretende
dedicar a sua vida à igreja e servir como padre. No entanto, por causa do seu
antecedente criminal, esse desejo é praticamente impossível de concretizar.
Quando
Daniel sai do centro de detenção é contratado para trabalhar na serração de uma
pequena aldeia, onde chega vestido com o hábito de padre e, quase
acidentalmente, toma posse da paróquia local. A presença de um jovem e
carismático orador é a oportunidade para a comunidade local começar o processo
de cura depois da tragédia que aconteceu lá.
Este
é um dos filmes nomeados na categoria de Melhor Filme Internacional da edição
de 2020 dos Oscars® da Academia.
Em
Portugal, o filme tem data de estreia confirmada a 6 de Fevereiro.
Opinião
por Artur Neves
Da Polónia chega-nos uma
história arrebatadora de várias convenções de comportamentos humanos,
particularmente os ligados à fé e à prática católica, numa comunidade rural que
vive o tempo presente amarrada ao cisma dogmático de uma religião, que acusa,
condena e espartilha os seus fiéis, em vez de perdoar, agregar e conciliar as
atitudes desviantes a que o espírito humano está sujeito.
O filme é livremente
adaptado de um caso real ocorrido na Polónia, em que um leigo faz-se passar por
padre durante algum tempo, numa paróquia rural. No filme, Daniel (Bartosz
Bielenia) assume esse papel quando se dirige para uma serração de madeira para
cumprir o período de liberdade condicional e pára numa igreja para refletir
sobre a epifania que sentiu na última missa em que assistiu o padre Tomasz (Lukasz
Simlat) na sua função de acólito. Por mero acaso ele vê-se nessa situação, que
se complica quando o padre da vila cai enfermo numa cama por excesso de álcool e
lhe pede para assumir temporariamente as suas funções.
Daniel, entre o constrangimento
e a felicidade de realizar o seu sonho, aceita o encargo. Ele é um condenado
jovem e simultaneamente um convertido que assume uma mentira e constrói um
personagem ambíguo que tenta reinventar-se noutra dimensão, ao mesmo tempo que
a sua consciência o impele a compensar a mentira com a prestação de um serviço
útil aos fiéis.
O povo é simples, crente e
segue a determinação da igreja em modo de ovelha obediente, sem questionar, sem
contrapor o que facilita a aceitação de Daniel no seu seio, através do seu
carisma, das suas alegações inovadoras, da sua bela voz ao cantar hinos de
redenção e da sua palavra que vem dar corpo à crescente apatia social com a
religião tradicional, com a hipocrisia e a corrupção na igreja a que se juntam
os casos de abuso sexual de menores e o recente problema do celibato dos padres,
que embora neste filme sejam abordados de “raspão”, não deixam de constituir o “elefante
na sala”.
A pessoa corresponsável pela
confusão em que ele está metido é Eliza (Eliza Rycembel), filha de Lídia (Aleksandra
Konieczna) a conservadora da igreja e cuidadora do pároco. Entre Daniel e Elyza
desenrola-se uma tensão sexual desde o primeiro encontro que vem a consumar-se
depois mostrando que homens e mulheres foram feitos para se encontrarem sem
condições prévias, porém, na fé católica quando um homem adota a via clerical,
abdica da sua natureza humana por obediência a um Deus castrador.
Ao manter a sua mentira
continuadamente Daniel desafia não só a fé, mas também a autoridade civil da
povoação, habituada a controlar ordeiramente o pastor do rebanho e o que
começou como um impulso de fé transforma-se em algo mais sério e mais difícil de
gerir quando ele se apercebe que o povo da vila está profundamente dividido e
ainda sofre a dor causada por um dramático acidente ocorrido anos antes que
dividiu as pessoas em duas fações antagónicas, que ele se desafiou em conciliar.
Na sua essência este filme
tem uma história simples, que cedo se percebe ser muito mais do que isso e que
além de cativante, pelos rostos, olhares penetrantes e expressões dos personagens
entre si, exalta uma vivência assustadora que perdurará na nossa memória para
lá dos 115 minutos de duração. A cena crucial final, que faz lembrar, noutro
contexto, a violência final de “No Coração da Escuridão” de 2017, exprime a
devastação e o desinteresse a que a sociedade devota os seus membros. Muito bom.
Classificação: 8,5 numa
escala de 10
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