13 de janeiro de 2020

Opinião – “J’Accuse – O Oficial e o Espião” de Roman Polanski


Sinopse

No dia 5 de Janeiro de 1895, o Capitão Alfred Dreyfus, um jovem soldado judeu, é acusado de espionagem para a Alemanha e condenado a prisão perpétua na ilha do Diabo. Entre as testemunhas está Georges Picquart, promovido para gerir a unidade militar de contra-espionagem. Mas quando Picquart descobre que informações secretas continuam a ser fornecidas aos alemães, é arrastado para um labirinto perigoso de fraude e corrupção que ameaça não só a sua honra, mas também a sua vida.

Opinião por Artur Neves

Este filme é cinema ao seu melhor nível como meio de contar uma história real que no final do século XIX, mais exatamente 1895 como refere a sinopse, desestabilizou o poder político em França e pôs em causa as chefias militares de primeiro nível, todas envolvidas num caso de espionagem internacional em que foi injustamente acusado um oficial judeu, o Capitão Alfred Dreyfus, (Louis Garrel) para ocultação da incompetência e do compadrio castrense que grassava nas forças armadas e na sociedade antissemita da época.
Goste-se ou não de Polanski é da mais elementar justiça reconhecer que ele continua sendo um mestre no seu ofício pela forma distinta como constrói a apresentação desta história. O cenário é irrepreensível, o guarda roupa, a direção de atores extraordinariamente cuidada e meticulosa, preenchida com todos os detalhes comportamentais da hierarquia militar da época que transmitem ao espectador uma completa imersão relativamente aos que nos é contado.
Baseado numa novela de Robert Harris que também colaborou no argumento e conta-nos a história deste “erro” judicial começando pela cerimónia de remoção das insígnias do exército a Dreyfus, no meio de uma manifestação antissemita em que ele grita para a multidão e para todos os presentes a sua inocência, acusando a França de o excluir por ser judeu e não por terem provas irrefutáveis contra ele. Georges Picquart (Jean Dujardin) está nesta altura do lado dos acusadores, foi professor de Dreyfus, mas nega que seja por diferenças de religião a sua acusação. Este caso porem, conduz Picquart à chefia do departamento de investigação militar e à sua promoção a coronel.
É nessa qualidade que ele se confronta com a dúvida da culpabilidade de Dreyfus, sendo também a partir daqui que o filme se desenvolve no interior de ambientes poeirentos e escuros, mostrando alguns episódios da propalada “inteligência militar” em interiores claustrofóbicos onde trabalham os agentes da violação de correspondência, ou da reconstituição de documentos rasgados fornecidos por informadores a soldo, intrigas palacianas que mostram o sentido de autenticidade de Polanski na caracterização dos círculos de incompetência de que ele se vai apercebendo. Na realidade Georges Picquart é um produto do sistema, educado e formado no meio e também eivado do mesmo antissemitismo, todavia a confrontação honesta com indícios da cabala que foi montada contra Dreyfus, levam-no numa jornada de autoconsciência dolorosa, em que os seus princípios não permitem o encobrimento dos erros do sistema, com os inerentes custos para todos e principalmente para ele e para a sua amante, Pauline Monnier (Emmanuelle Seigner) que se vê também envolvida.
Por outro lado, Polanski serve-se desta história para estabelecer um paralelo entre a sua condenação por abuso sexual de uma menor em 1977, em que ele se declarou culpado, foi preso e libertado sob caução, mas na iminência de nova detenção, tomou um avião para a Europa, encontrando-se desde então na situação de foragido da justiça norte americana, a que ele atribui uma componente de antissemitismo, tal como no caso de Alfred Dreyfus e assim esbata as diferenças entre o antissemitismo pessoas e institucional.
Ele faz isso muito bem lidando simultaneamente com uma narrativa de suspense executada por atores de elevada qualidade interpretativa que evoluem numa fotografia sóbria, por vezes em cores sépia que adensam a ação. Para lá de tudo isso, sente-se a “mão” de Polanski como a de um pintor conhecido num quadro seu, não só na construção da imagem, como na sua exposição no melhor ângulo em que ela pode ser vista, e ainda, considerando que se trata de uma mentira, de um embuste montado para prejudicar um determinado homem, contém algo de muito urgente a dizer sobre o mundo em que vivemos. Recomendo vivamente.

Classificação: 8 numa escala de 10

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