Sinopse
Quando
Myriam (Leïla Bekhti), mãe de dois filhos, decide voltar a trabalhar apesar da
relutância inicial do marido, o casal começa a procurar uma ama. Após um
processo muito seletivo, encontram por fim a candidata ideal: Louise (Karin
Viard), uma mulher de 40 anos muito bem preparada que faz sucesso imediato
entre filhos e pais. Mas à medida que Louise se vai tornando indispensável à
família, começa a revelar a sua autêntica natureza e o seu comportamento
torna-se cada vez mais inquietante para quem a rodeia.
Opinião
por Artur Neves
Esta história é baseada no
romance “Chanson douce” de Leila Slimani, (nascida em Marrocos em 1981) vencedor
do prémio Goncourt de 2016, o que fez da sua autora a mais jovem escritora a receber este
galardão. O romance foi inspirado num caso real ocorrido em Manhattan
em 2012 e até hoje envolvido num mistério difícil de explicar de maneira
compreensível e razoável.
Lucie Borleteau, a
realizadora francesa com alguns créditos no género, estabeleceu uma narrativa
clássica para a história que mantém durante quase todo o filme numa expectativa
latente sobre um sintoma psicológico de esquizofrenia do personagem principal, que
se intui por inerência, mas que só posteriormente nos são dados sinais claros do
que se trata, tornando o desfecho da história quase imprevisto até à sua concretização.
A história está bem resumida
na sinopse e desenrola-se no seio de um casal adulto jovem que resolve
contratar uma ama para assistir aos seus dois filhos, sendo Mila (Assya), de 5
anos e Adam, bebé com poucos meses de vida, que monopoliza totalmente a
disponibilidade da mãe Myriam que reivindica o seu tempo para outras atividades
diferentes de ser mãe a tempo inteiro. O pai Paul (Antoine Reinartz), tem por
vezes um papel de bobo e de inepto, que quase o desqualifica como chefe de
família, fazendo pensar se não existirá outra mensagem subliminar que a
realizadora quis passar.
A seleção da ama Louise (Karin
Viard) foi tão criteriosa e bem conseguida que somos informados que ela não só
mostra extrema dedicação aos miúdos a cargo, como ao casal, substituindo-os na
cozinha, chegando muito cedo para lhes preparar o café da manhã, limpando e
arrumando a casa com perfeição e esmero, brincando com Mila a quem conta histórias
e ministra uma educação pré escolar, bem como, atende a todas as necessidades de
Adam e só abandonando a residência muito para lá do horário previsto.
A atitude de Louise é tão
perfeita, tão adequada à função que o casal não se apercebe do seu ar sofrido,
da sua alteração contida de humor quando algo acontece diferente do previsível,
do seu ar afável que soa a forçado e resultando de um grande esforço de
vontade, das suas brincadeiras com Mila, onde personifica um monstro ameaçador
e que reage com inusitada secura e agressividade quando é confrontada com
críticas, por mais leves e cordatas que sejam proferidas.
Borleteau apresenta-nos Myriam
e Paul como cegos para o mundo em seu redor, usufruindo somente dos benefícios
da liberdade recuperada sem se preocuparem com o modo e o motivo dessa
recuperação, comportando-se como um casal parisiense livre e sem compromissos
que inadvertidamente provoca os acontecimentos subsequentes e é o único
responsável pelo desfecho dramático desta história, muito embora no íntimo de
Louise germinasse uma frustração insuperável e um desejo secreto de se sentir
útil a todo o custo para justificar a sua existência.
Louise ama aquelas crianças,
dedica-se aquela família com todo o seu empenho, devolve ao casal a
oportunidade de reativarem a sua vida amorosa e todavia continua a sentir-se
como trabalhadora contratada apesar de ter sido convidada para passar férias com
eles e de ter aproveitado o mar e o sol como se lhe pertencessem desde sempre. No
seu íntimo porém, a ansiedade sobe sem controlo, a solidão adensa-se,
pensamentos marginais ocorrem-lhe sem que ela os possa conter e o destino
trágico está próximo.
É um retrato bastante
realista de uma casal urbano, jovem, classe média, que tenta criar os filhos
enquanto luta pela sua realização profissional e pela sua subsistência, mas que
tem que ficar atento aos maravilhosos milagres que não existem.
Classificação: 7 numa escala
de 10
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