22 de janeiro de 2020

Opinião – “Ama Perfeita” de Lucie Borleteau


Sinopse

Quando Myriam (Leïla Bekhti), mãe de dois filhos, decide voltar a trabalhar apesar da relutância inicial do marido, o casal começa a procurar uma ama. Após um processo muito seletivo, encontram por fim a candidata ideal: Louise (Karin Viard), uma mulher de 40 anos muito bem preparada que faz sucesso imediato entre filhos e pais. Mas à medida que Louise se vai tornando indispensável à família, começa a revelar a sua autêntica natureza e o seu comportamento torna-se cada vez mais inquietante para quem a rodeia.

Opinião por Artur Neves

Esta história é baseada no romance “Chanson douce” de Leila Slimani, (nascida em Marrocos em 1981) vencedor do prémio Goncourt de 2016, o que fez da sua autora a mais jovem escritora a receber este galardão. O romance foi inspirado num caso real ocorrido em Manhattan em 2012 e até hoje envolvido num mistério difícil de explicar de maneira compreensível e razoável.
Lucie Borleteau, a realizadora francesa com alguns créditos no género, estabeleceu uma narrativa clássica para a história que mantém durante quase todo o filme numa expectativa latente sobre um sintoma psicológico de esquizofrenia do personagem principal, que se intui por inerência, mas que só posteriormente nos são dados sinais claros do que se trata, tornando o desfecho da história quase imprevisto até à sua concretização.
A história está bem resumida na sinopse e desenrola-se no seio de um casal adulto jovem que resolve contratar uma ama para assistir aos seus dois filhos, sendo Mila (Assya), de 5 anos e Adam, bebé com poucos meses de vida, que monopoliza totalmente a disponibilidade da mãe Myriam que reivindica o seu tempo para outras atividades diferentes de ser mãe a tempo inteiro. O pai Paul (Antoine Reinartz), tem por vezes um papel de bobo e de inepto, que quase o desqualifica como chefe de família, fazendo pensar se não existirá outra mensagem subliminar que a realizadora quis passar.
A seleção da ama Louise (Karin Viard) foi tão criteriosa e bem conseguida que somos informados que ela não só mostra extrema dedicação aos miúdos a cargo, como ao casal, substituindo-os na cozinha, chegando muito cedo para lhes preparar o café da manhã, limpando e arrumando a casa com perfeição e esmero, brincando com Mila a quem conta histórias e ministra uma educação pré escolar, bem como, atende a todas as necessidades de Adam e só abandonando a residência muito para lá do horário previsto.
A atitude de Louise é tão perfeita, tão adequada à função que o casal não se apercebe do seu ar sofrido, da sua alteração contida de humor quando algo acontece diferente do previsível, do seu ar afável que soa a forçado e resultando de um grande esforço de vontade, das suas brincadeiras com Mila, onde personifica um monstro ameaçador e que reage com inusitada secura e agressividade quando é confrontada com críticas, por mais leves e cordatas que sejam proferidas.
Borleteau apresenta-nos Myriam e Paul como cegos para o mundo em seu redor, usufruindo somente dos benefícios da liberdade recuperada sem se preocuparem com o modo e o motivo dessa recuperação, comportando-se como um casal parisiense livre e sem compromissos que inadvertidamente provoca os acontecimentos subsequentes e é o único responsável pelo desfecho dramático desta história, muito embora no íntimo de Louise germinasse uma frustração insuperável e um desejo secreto de se sentir útil a todo o custo para justificar a sua existência.
Louise ama aquelas crianças, dedica-se aquela família com todo o seu empenho, devolve ao casal a oportunidade de reativarem a sua vida amorosa e todavia continua a sentir-se como trabalhadora contratada apesar de ter sido convidada para passar férias com eles e de ter aproveitado o mar e o sol como se lhe pertencessem desde sempre. No seu íntimo porém, a ansiedade sobe sem controlo, a solidão adensa-se, pensamentos marginais ocorrem-lhe sem que ela os possa conter e o destino trágico está próximo.
É um retrato bastante realista de uma casal urbano, jovem, classe média, que tenta criar os filhos enquanto luta pela sua realização profissional e pela sua subsistência, mas que tem que ficar atento aos maravilhosos milagres que não existem.

Classificação: 7 numa escala de 10

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