27 de setembro de 2019

Opinião – “Vita & Virgínia” de Chanya Button


Sinopse

Vita & Virgínia é a história verdadeira da relação apaixonada entre a escritora Virgínia Woolf (Elizabeth Debicki) e a enigmática aristocrata Vita Sackville-West (Gemma Arterton) e a história do nascimento do romance “Orlando”, que os inebriantes encontros das duas inspiraram.
Vita & Virgínia é uma história de amor, contada num estilo contemporâneo, sobre duas mulheres – duas escritoras – que arrasaram as barreiras sociais para encontrarem conforto na sua ligação proibida.

Opinião por Artur Neves

Estamos em presença de mais um filme de época, baseado na personalidade esdruxula, ou que mais exactamente podemos classificar como bipolar, da escritora Virgínia Woolf nascida em janeiro de 1882 e conhecida como sendo uma das mais importantes figuras do modernismo do século XX e da romancista e poetisa inglesa Vita Sackville-West com quem viveu um tórrido, subversivo e literário romance de amor em 1920, cuja correspondência epistolar entre ambas já deu origem a uma peça de teatro que agora chega ao cinema pela mão de Chanya Button, nascida em Londres em 1986 e formada em literatura contemporânea em Oxford University.
Ou seja, temos aqui uma história sobre a aristocracia Inglesa do início do século XX, ainda fortemente influenciada pelos dogmas e convenções vitorianas, trabalhada por quem “conhece da poda” e que assim produz um filme que retrata o relacionamento entre as duas amantes desde o seu conhecimento mútuo nas reuniões do Grupo de Bloomsbury, um círculo intelectual restrito, até ao auge do seu envolvimento romântico, de cariz tão intelectual como sensual, tão inspirador do ponto de vista criativo para ambas, como perturbador para Virgínia ao ponto de lhe provocar manifestações da sua doença particularmente debilitantes.
Button traça um retrato de época com uma linguagem visual das cenas, rica e reveladora do mundo interior das duas mulheres. Vita escreve à máquina mas a câmara capta-lhe a expressão facial das palavras em simultâneo com a impressão das letras no papel e com o ruído das teclas, Virgínia escreve com uma caneta de tinta ao mesmo tempo que vemos a expressão da sua boca a balbuciar as palavras directamente para a câmara, criando uma mística que vai para lá da página escrita. Essa técnica exprime a dinâmica dos sentimentos que ambas mutuamente inspiram, não só quando estão separadas, mas também quando se ouvem no rádio, em que Vita “bebe” as palavras de Virgínia.
O ambiente social daqueles anos também não é descurado por Button com cenas filmadas em ricos cenários aristocráticos, com um guarda-roupa bem adaptado à época e uma Isabella Rossellini na pele de Lady Sackville, mãe de Vita e guardiã dos bons costumes e dos segredos do casamento da filha com Harold Nicolson (Rupert Penry-Jones) igualmente bissexual, tal como Vita, que nos tempos de hoje constituiriam o exemplo acabado de um “casamento aberto”. Ambos tiveram relações homossexuais fora do casamento que Lady Sackville afanosamente dissimulava nas reuniões sociais que o seu estatuto aristocrático permitia frequentar. Todavia, para lá das suas tendências sexuais íntimas, eram verdadeiramente dedicados um ao outro, ao ponto de Nicolson abdicar da sua carreira diplomática para usufruir da companhia de Vita e Buton não se esquece de evidenciar esse detalhe.
Virgínia Woolf, igualmente bissexual, casada com Leonard Woolf (Peter Ferdinando) que a apoiava incondicionalmente e ajudava a superar as suas crises, aceitava o seu relacionamento com Vita e lhe corrigia os manuscritos, particularmente no romance “Orlando”, onde Virgínia cria uma personagem que ilustra com precisão o tumulto intelectual e sensual vivido com Vita.
Temos pois aqui um filme sobre pessoas reais na sua faceta mais autêntica, realizado com delicadeza e atenção aos pormenores, que por vezes pode parecer extenso e com alguma falta de profundidade sobre os personagens, mas isso decorre somente da multiplicidade de detalhes que nos são oferecidos para apreciação. Interessante, para ver com paciência.

Classificação: 6 numa escala de 10


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