13 de agosto de 2019

Opinião – “Em Chamas” de Chang-dong Lee


Sinopse

Durante um dia normal de trabalho como entregador, Lee Jong-su (Ah-in Yoo) reencontra Shin Hae-mi, (Jong-seo Jun) uma antiga amiga que vivia no mesmo bairro que ele. A jovem está com uma viagem marcada para o exterior e pede para Jong-su cuidar de seu gato de estimação enquanto ela está longe. Hae-mi volta para casa na companhia de Ben, (Steven Yeun) um jovem misterioso que conheceu em África. No entanto, o forasteiro tem um hobby peculiar, que está prestes a ser revelado aos amigos.

Opinião por Artur Neves

Este filme é a adaptação ao cinema do conto “Os Celeiros Incendiados” incluído no livro de Haruki Murakami; “O Elefante Evapora-se” que inclui histórias que nos mostram o espírito Coreano, tendo beneficiado da arte de o captar de Chang-dong Lee.
Jong-su é um jovem trabalhador, voltado para a tarefa, metido consigo, com reservas de relacionamento com os outros, que no seu comportamento diário apresenta sinais compatíveis com a síndrome de Asperger. Embora apresente inteligência e capacidade de linguagem normais sente-se mais confortável na solidão do seu pensamento resguardando-se nos seus locais de conforto.
Hae-mi é o contrário disso, extrovertida, comunicativa, gosta de gente e de praticar os seus sonhos pejados de fantasia, de amor jovem, de promessas. Nunca se saberá se o convite que ela declaradamente envia a Jong-su, com base numa referência de infância, é verdadeiro ou faz parte da fantasia do momento. Todavia eles entendem-se e Jong-su liga-se a ela por amor e pela necessidade que sente de se ligar ao mundo que ele isoladamente não sabe abordar.
Porém, o furacão Hae-mi não pode estar quieto, parado num local e num impulso faz uma viagem ao Zaire incluída numa ação humanitária. É um momento de perda para Jong-su que apesar de ficar a tratar do seu gato, sofre com a inusitada separação. O regresso de Hae-mi torna-se ainda mais traumático porque ela vem acompanhada de Ben, um homem novo, bem-parecido, conhecedor do meio, aparentemente rico sem todavia se conhecer qual a origem dos seus proventos.
É nesta altura que a história começa a despertar, Chang-dong Lee porfiou habilmente o conhecimento destes personagens como um fiandeiro na sua roca. Mostrou-nos todos os pormenores necessários para fazermos uma ideia concisa dos seus mundos e dos seus objectivos, da aproximação entre os três, num crescendo de emoções embora sem qualquer conflito onde se começa a configurar um triângulo amoroso não explícito. Tudo é apresentado no tempo certo criando um universo de relacionamento credível.
O momento alto deste cosmos dá-se no terraço da casa de Jong-su na cena que mais tempo demorou a filmar porque Chang-dong Lee pretendeu mostrar-nos um pôr-do-sol maravilhoso, quente e de cor pastel, em que Hae-mi exulta em feminilidade e fantasia que gera tensão entre os dois homens, sendo a amizade em formação eivada de ciúme e inveja considerando que a personalidade de Hae-mi está mais próxima de Ben do que de Jong-su. Nessa reunião, a revelação de Ben colhe a ambos de surpresa.
O que é mais extraordinário nesta história é sua capacidade de transmitir um suspense que sucessivamente se vai adensando, construído por Chang-dong Lee em sequências com longos planos de câmara na mão, uma música de fundo perturbadora que acentua a tensão e um relacionamento entre os três, onde uma Hae-mi smi-nua evolui dançando e estabelecendo diferentes trocas de olhares, as conversas entre eles não definem culpados ou inocentes e convidam o espectador a fazer apostas sobre as suas motivações individuais.
Aliás, nesta história, as “Chamas” atribuídas no título, tanto podem reportar-se à exaltação da líbido e das pulsões sexuais à solta, como ao perigo incluído na revelação de Ben. A história é riquíssima e o seu desfecho inesperado, todavia aceita-se sem mais provas, de acordo com a razão de Jong-su, sem que seja possível antecipar aquele final. A ver, recomendo vivamente.

Classificação: 8,5 numa escala de 10

PS: Este filme foi apresentado no 71º Festival Internacional de Cannes, em maio de 2018 e neste momento não sei se ainda estará nas salas, todavia merece ser visto mesmo em DVD se for essa a única opção.

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