22 de março de 2019

Opinião – “Na Fronteira” de Ali Abbasi


Sinopse

Este é um filme excecional, inesperado, comovente e repleto de esperança nos seres vivos.
Tina, uma guarda de fronteira marítima no porto de Kapellskär e é extraordinariamente boa a identificar traficantes. Um dia, um homem de aspeto suspeito sai do barco.
Incapaz de identificar o que ele esconde, ela fica obcecada por ele e pela aura perturbadora que ele emana. Mas a sua investigação vai revelar muito mais do que ela esperava e Tina vê-se confrontada com revelações terríveis sobre si mesma e a humanidade.
Baseado num conto de John Ajvide Lindqvist, autor do best-seller Deixa-me Entrar (Let the Right one In)

Opinião por Artur Neves

A história contada neste filme toca as raias da fantasia com um desenvolvimento e uma subtileza que nos surpreende quando a verdade é revelada e somos confrontados com algo que se situa entre o mito, um romance de amor improvável e um caso de polícia que no seu todo ultrapassa os limites da compreensão humana.
Tina (Eva Melander, irreconhecível sob a caraterização que define o personagem) é uma mulher com algumas caraterísticas inerentes ao autismo mas com a particularidade de possuir um olfato extremamente apurado que lhe serve no seu trabalho para farejar (é a palavra que melhor a define) a posse de drogas ou outras substancias proibidas nos passageiros que diariamente atravessam a alfândega onde ela trabalha.
Todavia a sua vida é de uma monotonia atroz, preenchida por ações e gestos que se repetem diariamente, sem amigos, sem convívio, exceto com os colegas no trabalho e o seu pai de quem ela trata e assiste nas suas necessidades. Todavia, os seus pensamentos íntimos deambulam por desejos e projetos, incompreensíveis para ela própria, bem como a sua imagem no espelho, que ela vê, mas que dificilmente reconhece semelhanças com o mundo que a rodeia.
Quando aquele homem lhe aparece à frente, Vore (Eero Milonoff), exibindo uma insolência displicente, descarado, falando-lhe em tom de desafio, Tina sente-se surpreendia com o seu rosto, onde reconhece traços semelhantes aos seus e fica profundamente excitada com aquele estranho ser diferente de todos os que a rodeiam, apesar de entre eles se sentir também uma estranha.
O realizador Ali Abbasi, Iraniano por nascimento, mas que estudou e vive na Dinamarca, traz-nos aqui uma história de transgressão e tabu sobre as nossas origens e de todos os seres que nos rodeiam, bem como as suas hipotéticas derivações sobre os costumes e as culturas que marginalizam as diferenças apenas por serem diferentes.
A estranheza desta história reflete também o complexo de minoria, onde o realizador se insere, que se concretiza através da atribuição aos personagens de um sentimento de afastamento dos humanos com quem interagem, tal como das suas particularidades e preferências, do contacto com a terra tirando os sapatos no bosque, comendo larvas e insetos e de Tina, vivendo uma experiencia sensual única ao vaguear nua pela floresta, em êxtase de comunhão com a natureza.
 O contacto íntimo entre Tina e Vore é um ato de outro mundo que se realiza como um ritual oculto, sensual, embora estranho. No seu estilo multifacetado, este filme contém uma história única que merece ser vista e vai permanecer durante algum tempo na sua memória. Recomendo.

Classificação: 8 numa escala de 10

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