Sinopse
Estados Unidos da América,
anos 70. Seguimos o inteligentíssimo Jack ao longo de 12 anos e presenciamos os
crimes que o definem como um assassino em série. A sua história é-nos
apresentada pelo próprio Jack, sendo cada crime pensado como uma obra de arte.
À medida que a polícia se aproxima, Jack arrisca-se cada vez mais, tentando
criar a sua obra-prima. “A Casa de Jack” é uma história negra e sinistra, mas
apresentada como um conto filosófico com laivos de humor.
Opinião
por Artur Neves
Lars von Trier, realizador
Dinamarquês nascido em Copenhaga há sessenta e dois anos, nunca foi um
realizador de histórias lineares e diretas. Lembremo-nos de “Ondas de Paixão”
(1993), “Dogville” (2003) ou “Melancolia” (2009) onde a metáfora ocupa lugar de
destaque no argumento. Também neste filme se discute em forma de metáfora o
artista e a sua criação, embora aqui se trate da criação da morte e dos
demónios do seu criador que sofre de esquizofrenia e de surtos obsessivos-compulsivos
que o norteiam em todos os seus atos.
Quando foi estreado em
Cannes, o filme foi alvo de forte crítica negativa pelas cenas de morte que
inclui, ao que eu discordo frontalmente, pois não apresentam mais violência
explicita do que pode ver-se em filmes de aventura ou em algumas séries de TV
atuais e também porque a violência neste filme não é um fim em si mesmo, um
objectivo, mas apenas o princípio da discussão sobre a sua forma e os seus
motivos pelo seu autor, que relata a sua prática de mortes desde a sua
juventude a Virgílio, autor da Eneida, conferindo á história um pendor
literário semelhante à “Divina Comédia” de Dante, onde Virgílio também é
citado.
Jack é um prevaricador das
regras de convivência social desde os tempos de juventude em que
deliberadamente provocava o mal, sem contudo ter sido alguma vez castigado por
isso. Essa situação, aliada a distúrbios mentais que se foram agravando com a
idade, levam-no à concretização de atos tenebrosos apenas por falta de empatia
casual com a sua vítima e à consequente morte quase por mero acidente e
repetem-se compulsivamente como um vício.
Os crimes que vemos no filme
são contra mulheres, apenas porque se julga com razão para isso e porque
atribui às vítimas a culpa dos seus atos. Uma mulher, que lhe pede ajuda na
estrada é atacada por reclamar demais, a seguinte é apenas por demonstrar um
grau de ignorância que ele não suporta, a terceira pela ingenuidade demonstrada
no relacionamento com ele próprio. Ele castiga-as com a morte pelas suas
características, assumindo que as está punindo pelas suas falhas, cumprindo uma
função divina que lhe permitirá escapar sem ser condenado, como sempre
aconteceu no passado aliás.
A casa, referida no título,
nunca chega a ser construída, porque ele a destrói antes de a acabar e serve de
metáfora para a compulsão dos ataques às suas vítimas, numa sequência contínua de
crimes que nunca acabará, porque haverá sempre necessidade de punir novas
culpadas. Ele leva as mortes ao extremo de fotografar os cadáveres em poses
artísticas para que possam ser considerados obras de arte, tal como a
modificação da natureza, numa pintura ou num livro é reconhecido como um ato artístico.
Se assim acontece em relação á natureza, porque não em relação á morte, que ele
se esforça por mostrar.
“A Casa de Jack” inclui um
suspense eficiente e uma sátira mordaz em relação a todas as citações
literárias entre Jack e Virgílio, que não se cansam de trocar razões
filosoficamente justificadas num argumento complexo que pode deixar o espetador
algo saturado com a abordagem de tantos assuntos exógenos ao núcleo central do
filme. Todavia isso não é um defeito, mas antes uma característica do filme e
do seu realizador, preocupado em discutir a banalização do mal. Recomendo, como
exercício ensaístico.
Classificação: 7 numa escala
de 10
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