24 de janeiro de 2019

Opinião – “A Casa de Jack” de Lars von Trier


Sinopse

Estados Unidos da América, anos 70. Seguimos o inteligentíssimo Jack ao longo de 12 anos e presenciamos os crimes que o definem como um assassino em série. A sua história é-nos apresentada pelo próprio Jack, sendo cada crime pensado como uma obra de arte. À medida que a polícia se aproxima, Jack arrisca-se cada vez mais, tentando criar a sua obra-prima. “A Casa de Jack” é uma história negra e sinistra, mas apresentada como um conto filosófico com laivos de humor.

Opinião por Artur Neves

Lars von Trier, realizador Dinamarquês nascido em Copenhaga há sessenta e dois anos, nunca foi um realizador de histórias lineares e diretas. Lembremo-nos de “Ondas de Paixão” (1993), “Dogville” (2003) ou “Melancolia” (2009) onde a metáfora ocupa lugar de destaque no argumento. Também neste filme se discute em forma de metáfora o artista e a sua criação, embora aqui se trate da criação da morte e dos demónios do seu criador que sofre de esquizofrenia e de surtos obsessivos-compulsivos que o norteiam em todos os seus atos.
Quando foi estreado em Cannes, o filme foi alvo de forte crítica negativa pelas cenas de morte que inclui, ao que eu discordo frontalmente, pois não apresentam mais violência explicita do que pode ver-se em filmes de aventura ou em algumas séries de TV atuais e também porque a violência neste filme não é um fim em si mesmo, um objectivo, mas apenas o princípio da discussão sobre a sua forma e os seus motivos pelo seu autor, que relata a sua prática de mortes desde a sua juventude a Virgílio, autor da Eneida, conferindo á história um pendor literário semelhante à “Divina Comédia” de Dante, onde Virgílio também é citado.
Jack é um prevaricador das regras de convivência social desde os tempos de juventude em que deliberadamente provocava o mal, sem contudo ter sido alguma vez castigado por isso. Essa situação, aliada a distúrbios mentais que se foram agravando com a idade, levam-no à concretização de atos tenebrosos apenas por falta de empatia casual com a sua vítima e à consequente morte quase por mero acidente e repetem-se compulsivamente como um vício.
Os crimes que vemos no filme são contra mulheres, apenas porque se julga com razão para isso e porque atribui às vítimas a culpa dos seus atos. Uma mulher, que lhe pede ajuda na estrada é atacada por reclamar demais, a seguinte é apenas por demonstrar um grau de ignorância que ele não suporta, a terceira pela ingenuidade demonstrada no relacionamento com ele próprio. Ele castiga-as com a morte pelas suas características, assumindo que as está punindo pelas suas falhas, cumprindo uma função divina que lhe permitirá escapar sem ser condenado, como sempre aconteceu no passado aliás.
A casa, referida no título, nunca chega a ser construída, porque ele a destrói antes de a acabar e serve de metáfora para a compulsão dos ataques às suas vítimas, numa sequência contínua de crimes que nunca acabará, porque haverá sempre necessidade de punir novas culpadas. Ele leva as mortes ao extremo de fotografar os cadáveres em poses artísticas para que possam ser considerados obras de arte, tal como a modificação da natureza, numa pintura ou num livro é reconhecido como um ato artístico. Se assim acontece em relação á natureza, porque não em relação á morte, que ele se esforça por mostrar.
“A Casa de Jack” inclui um suspense eficiente e uma sátira mordaz em relação a todas as citações literárias entre Jack e Virgílio, que não se cansam de trocar razões filosoficamente justificadas num argumento complexo que pode deixar o espetador algo saturado com a abordagem de tantos assuntos exógenos ao núcleo central do filme. Todavia isso não é um defeito, mas antes uma característica do filme e do seu realizador, preocupado em discutir a banalização do mal. Recomendo, como exercício ensaístico.

Classificação: 7 numa escala de 10

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