22 de abril de 2018

Opinião – “Ilha dos Cães” de Wes Anderson


Sinopse

Ilha dos Cães conta a história de Atari, um miúdo de 12 anos sob a tutela de Kobayashi, o corrupto presidente da câmara.
Quando por decreto executivo, todos os animais de estimação caninos da cidade de Megasaki são exilados para uma vasta lixeira chamada Ilha do Lixo, Atari parte sozinho num turboélice miniatura e atravessa o rio à procura do seu cão de guarda Spots. Nessa ilha com a ajuda de uma matilha de rafeiros, começa uma jornada épica que irá decidir o destino e o futuro de toda a cidade.

Opinião por Artur Neves

Wesley Wales Anderson, realizador americano nascido em Huston no Texas, conhecido profissionalmente por Wes Anderson, tem-se dedicado nos seus filmes mais recentes a abordagens superficiais de algumas das fraquezas humanas, tal como em “O Grande Hotel Budapeste” de 2013, onde evidencia o luxo e a vaidade de uma certa classe social abastada e pueril, ou em “Moonrise Kingdom” de 2012, numa história de valorização da ingenuidade infantil, apresenta-nos agora de sua autoria um argumento e realização de uma lenda Japonesa demonstrativa do profundo apreço da cultura japonesa pelos animais domésticos em forma de animação no formato stop motion, uma fábula sobre tirania e despotismo de um governante que atenta contra as liberdades de uma parte da população.
A moral da história tanto se aplica ao nazismo de tão má memória na história recente europeia, como a todas as ditaduras que campeiam no mundo e muito particularmente na américa latina de que os USA são vizinhos. A história é forte não somente no aspeto da ditadura que evoca como na inibição do progresso científico e tecnológico que todos esperamos traga melhorias à condição de vida da humanidade.
Todavia esta bordagem apresentada por Wes Anderson é superficial, contém diálogos algo mordazes (traduzidos do japonês, segundo o autor) e uma tendência para o humor ligeiro imediato e breve, que não se coaduna com a essência da temática abordada pois não creio que possamos rir, ou sequer sorrir, com o estado de coisas que se vive na Venezuela, ou mais recentemente na Nicarágua onde regimes autocráticos submetem o povo aos desígnios dos seus benefícios exclusivos. Também não é crível que os campos de concentração nazis, durante a segunda guerra tenham algo de que se possa sorrir.
A história tem como personagens principais, cães, que devido a uma epidemia de gripe canina foram marginalizados numa ilha de lixo sem qualquer futuro, apoio ou tratamento que o ditador proíbe, apesar de a sua cura estar a ser estudada e desenvolvida. Os personagens caninos, através das suas expressões e comportamentos, não representam mais do que os espoliados humanos que sofreram os efeitos da descriminação a que foram sujeitos, mas com tanta ligeireza, desanuviamento e compreensão, quase que se pode pensar que o sofrimento não foi assim tão grande como o apregoam.
O realizador quando aborda um problema trata de seguida de o disfarçar para não tornar a revelação tão dura, todavia o filme tem o mérito de apresentar uma linguagem de animação pouco frequente que nos surpreende com a sua riqueza e complexidade de cenário, que na minha opinião não o salva da mediocridade.

Classificação: 4 numa escala de 10

18 de abril de 2018

Opinião – “Bullet Head – Ultimo Golpe” de Paul Solet


Sinopse

Três criminosos profissionais aceitam o que julgam ser o golpe da sua vida, mas quando chegam ao local do assalto, um remoto armazém, descobrem que caíram numa armadilha. Agora, cercados do lado de fora pela lei, apercebem-se que dentro do armazém uma ameaça maior os espera – um cão de ataque assassino que os irá obrigar a lutar pelas suas vidas.

Opinião por Artur Neves

Paul Solet, realizador e argumentista americano desde 2003, muito embora com experiencia anterior em cinema, apresenta-nos aqui uma fábula urbana sobre as ligações conturbadas entre humanos e animais, neste caso particular; cães usados em combates ilegais.
A história desenvolve-se em torno de três homens de faixas etárias significativamente diferentes, unidos pelo objetivo comum de se esconderem da polícia após um assalto realizado, com consequências trágicas para um quarto camarada que morre no início da história. O local escolhido é um armazém abandonado, que eles desconhecem possuir um ring de combate, utilizado por um gang organizado para corretagem de lutas clandestinas de cães, obtendo vantagem financeira das apostas dos donos dos contendores.
Durante a sua permanência no esconderijo eles vão trocando experiências e memórias do seu passado que nos dá a conhecer um pouco da personalidade de cada um deles e da sua relação com animais domésticos, nomeadamente cães. É neste local de espera e também de algum reencontro com as suas recordações mais fortes e objetivos futuros, que eles encontram “Blue”, um mastim de combate, ferido, muito maltratado mas ainda com capacidade física e suficiente ódio aos humanos que o utilizaram, para os perseguir e destroçar se eles não conseguirem ficar fora do alcance das suas mandíbulas.
É nesta fase que o filme nos começa a mostrar alguma ação, num jogo de fuga do perigo que os ameaça, em simultâneo com o reencontro das fragilidades e das ligações imprevistas que se formam, num caldo de empatia entre o homem e o cão que o persegue, prometendo-nos que apesar de toda a ignomínia alguns sentimentos nobres de humanidade ainda despertam.
Duma maneira geral estamos em presença de um filme que se desenrola num único local, embora ao longo de vários espaços, se trocam opiniões sobre a vida e sobre o passado de cada um, se perspetiva um futuro que não tem lugar para ocorrer, não por serem criminosos mas antes por cada um à sua maneira sentir ter chegado ao fim, independentemente dos reais motivos que os conduziram aquela situação.
A redenção e a lição de fábula, chega na parte final através de um twist que vem repor os termos como deveriam ser, indiciando que por mais profunda que seja a queda a esperança deve ser a ultima a abandonar-nos. Para uma rodagem num espaço interior a fotografia de Zoran Popovic é agradável, a montagem de Josh Ethier, utilizando flash backs, dá alguma animação à história, mas com estes atores esperar-se-ia um pouco mais, todavia o guião não lhes permite qualquer golpe de asa. Sabe a pouco!…
Classificação: 4,5 numa escala de 10

5 de abril de 2018

Opinião – “A Morte de Estaline” de Armando Iannucci


Sinopse

União Soviética, 1953. Após a morte de Josef Stalin (Adrian McLoughlin), o alto escalão do comité do Partido Comunista vê-se em momentos caóticos para decidir quem será o sucessor do líder soviético.

Opinião por Artur Neves

Numa altura em que a comunidade internacional condena a Rússia de Putin como responsável pelo atentado ao espião russo Skripal e sua filha, refugiados em Inglaterra, surge este filme, já proibido pelo Ministério da Cultura da Rússia através da suspensão da sua licença de exibição, sobre os últimos dias do ditador Josef Stalin, reconhecidamente como um dos líderes mais cruéis da história mundial recente, (em conjunto com Hitler) que ocupou o poder na Rússia entre 1922 e 1953, na sequência da Revolução Bolchevique de Outubro de 1917 que acabou com o Governo Provisório de cariz moderado que se seguiu à queda do poder imperial do czar Nicolau II, impondo o governo Socialista Soviético.
Os 31 anos de poder absoluto, autocrático e despótico de Josef Stalin não são de facto um período de que a Rússia se possa orgulhar, considerando o que o seu sucessor; Nikita Khruchshov revelou ao mundo, durante a realização do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética em 23 de Fevereiro de 1956, onde enumera a longa lista de atrocidades cometidas contra o povo pelo estalinismo, durante a sua ocupação do poder.
Armando Iannuci, Escocês de origem, realizador e coargumentista desta história, resolveu revisitar esta época através de uma abordagem crítica, com traços acentuadamente burlescos relatando os eventos ocorridos nos círculos próximos do ditador na sequência da sua inesperada morte em maio de 1953 e da luta pelo poder que se seguiu.
O resultado é este filme atrevido, ousado em todas as suas premissas, pormenorizado na identificação das personagens que são referenciados com o nome real das pessoas que representam, considerando que o secretismo do sistema e o nível de divulgação da época não permitiria o seu reconhecimento ao espetador normal, caraterizando-os ao pormenor das suas idiossincrasias e retratando-os nas suas funções e confrontos com os seus pares, entabulando intrigas, vinganças, e ódios de estimação que, pelo que sabemos hoje, não deve estar muito longe da realidade vivida naqueles anos.
A abordagem às relações entre pares do governo é feita em jeito de comédia de humor negro (doutra forma seria mais doloroso) evidenciando a total submissão de todos ao determinístico líder, sempre autoritário e desdenhoso mesmo nas questões mais comezinhas, e a total falta de ética dos seus mais próximos e despersonalizados colaboradores, (súbditos) totalmente incapazes de formularem alternativas, ou qualquer espécie de ação coordenada, quando subitamente confrontados com a sua inesperada falta.
Os diálogos estão bem concebidos, sempre proferidos segundo uma lógica jocosa que nos surpreende, diverte e nos faz pensar como foi possível tudo isto, descontando claro, o efeito de caricatura que o filme naturalmente exibe. Merece ser visto, recomendo.

Classificação: 6 numa escala de 10