16 de novembro de 2015

Opinião - Quadrilogia "Hannibal" de Thomas Harris


 
Sinopses
Dragão Vermelho: Dragão Vermelho é a história de um agente do FBI, especializado em serial killers. Ele entra em colapso após a caçada a um psicopata extremamente perigoso. Mas seus serviços são novamente requisitados quando um serial killer começa a matar famílias inteiras, quebrando espelhos da casa e colocando os cacos diretamente nos olhos das vítimas. E para resolver esse caso, ele conta, a contra gosto, com a ajuda de um de seus maiores inimigos, o psiquiatra sociopata, o doutor Hannibal Lecter.
O Silêncio dos Inocentes: Cinco mulheres são brutalmente assassinadas em diferentes localidades dos Estados Unidos. Para chegar até o sanguinário assassino, a jovem agente do FBI, Clarice Starling, entrevista o ardiloso psiquiatra Hannibal Lecter, cuja mente psicopata está perigosamente voltada para o crime. Ao seguir as pistas apontadas pelo Dr. Lecter, Clarice envolve-se numa teia mortífera surpreendente. O texto de Thomas Harris é arrepiante.
Hannibal: Agora que Hannibal Lecter está de volta aos écrans, é esta a melhor altura para ler o livro de Thomas Harris (também ele um "best-seller"; lançado nos EUA em 1999, os 3 milhões de exemplares da primeira tiragem esgotaram-se em 2 dias), que serve de base ao argumento do filme. E livro ou filme não são propriamente uma sequela de "O Silêncio dos Inocentes", mas antes uma "variação" mais requintada do tema. Hannibal está agora em Florença, disfarçado de Dr. Fell, um especialista na Itália medieval. E não é por acaso. Florença é um dos maiores centros de arte do mundo, lugar de saber, mas ao mesmo tempo de violência, que nos deu, por exemplo, um Boticelli, mas também os Bórgias, um lugar entre o excesso de cultura e o excesso de barbárie. Que lugar seria melhor para Hannibal se revelar em todo o seu esplendor de homem e de monstro? E se por um lado temos a mesma crueldade, as torturas, os estranhos manjares canibais, por outro temos uma ironia subtil, a sofisticação aristocrática, a luxúria. E um duelo sensual com Clarice, de quem Hannibal já tinha saudades, Clarice que ele sempre protegera (embora ela não o soubesse - ou será que interiormente o adivinhava?), mesmo quando estava preso ("Estás de volta ao caso? Óptimo! Sinto tédio da reforma...). Perante tamanho sucesso, o produtor do filme já pede ao escritor Thomas Harris uma nova sequela, e o actor Anthony Hopkins revelou numa entrevista que já tem algumas ideias sobre o assunto.
Hannibal, A Origem do Mal: Em Hannibal: a Origem do Mal ficamos a conhecer a infância e a adolescência de Hanniball Lecter, o célebre serial killer de O Silêncio dos Inocentes, e de como se transformou num psicopata canibal. Thomas Harris traça as origens de Hannibal e da irmã, Misha, na Lituânia, quando os pais são mortos pelas tropas de Hitler. Hannibal sobrevive aos horrores da II Guerra Mundial e, com apenas oito anos, foge para a França. É adoptado por Lady Murasaki, a mulher do tio, uma bela e misteriosa aristocrata japonesa. Completamente só, Hannibal leva os seus demónios consigo que o visitam e atormentam constantemente. É o aluno mais novo de sempre a entrar para a escola médica e, então, passa a ser ele a atormentar os seus próprios demónios. A adolescência torna-se num permanente ajuste de contas com o passado. Descobre que tem dons para além dos académicos e, nessa epifania, Hannibal Lecter torna-se num prodígio da morte.
 
Opinião por Marta Nogueira
Muitos conhecerão Hannibal Lecter, M.D. da trilogia cinematográfica norte-americana.
Talvez poucos conheçam a sua génese literária, a extraordinária tetralogia escrita pelo jornalista e escritor Thomas Harris.
Que valerá a pena passar-lhe os olhos, sim, sem dúvida. No original inglês, de preferência.
Que Harris descobriu um filão de ouro, quando em 1981 resolveu aproveitar as idiossincracias de um tipo criminoso especialmente macabro – o serial killer - que tem fascinado a humanidade desde que 5 prostitutas de Whitechapel, foram encontradas mortas e esventradas na foggy London do século passado.
A partir de Harris sucederam-se os romancistas policiais que aproveitaram este filão generoso para congeminar personagens que competem pelo sadismo mais requintado. O último fetiche da geração televisiva mais recente chama-se Dexter e é, como dizer?, um serial killer simpático, que realiza o cúmulo da pescadinha de rabo na boca – mata outros serial killers maus (ele é o bom).
Mas é de Harris a primazia, toda, e é dele, sem dúvida, o maior talento, a mais profunda complexidade, a mais interessante veia literária do género porque, ao contrário da maioria dos “romancistas policiais” que proliferam como ervas daninhas, pasme-se!, Harris sabe escrever e escreve muitíssimo bem.
Que valerá a pena sobretudo para conhecer a verdadeira história de Hannibal e o seu verdadeiro fim - muito diferente do final politicamente correcto que Hollywood lhe ofereceu - e arrepiantemente delicioso.
Recordemos que Hannibal é uma outra forma de dizer Animal. Animal humano ou humano animal? Depende da perspectiva e aqui a perspectiva é de uma importância crucial, já veremos porquê.
Haverá quem tenha reparado que Hannibal não mata animais? Os irracionais. Limita-se a comer pessoas. Pouca coisa, portanto, para chocar tantos. Muita coisa para explicar porque motivo as mulheres se deliciam com o gosto requintado do Doutor, o seu sentido gourmet apurado e a sua delicadeza absoluta, mesmo quando brinca com os intestinos de alguém. As mulheres adoram este assassino canibal. Os homens não entendem … (suspiro) … mas será assim tão difícil de entender que, no universo feminino, acima da segurança está o charme?
Não será em sua defesa, porém, que aqui se dirá ter o canibalismo sempre feito parte da Humanidade. Os primeiros hominídeos apreciavam o sabor dos miolos dos seus companheiros defuntos, a religião Azteca usava-o como cerimonial imprescindível e algumas tribos índias devoravam os corações de guerreiros inimigos para absorverem a sua coragem. Mas Hannibal não canibaliza porque é humano, sim porque alguns humanos lhe canibalizaram a irmã e, hélas!, o seu jovem e precoce cérebro se rasga atroz e irreversivelmente no decurso desse festim macabro.
Que lhe admiramos a persistência. Como um lobo, perseguirá e comerá cada um dos seus assassinos e, no processo, tomará o gosto à carne humana. É compreensível. Porque o ser humano é de hábitos e, diz quem já experimentou, que carne humana sabe a frango. Talvez que com os condimentos certos possa constituir um acepipe sem rival.
Em conclusão, as vítimas de Lecter nunca são ovelhas tresmalhadas, antes demónios retorcidos pela putrefacção humana, vulgo o egoísmo, a ambição, a mediocridade, o instinto de sobrevivência.
E que é por isso mesmo que, por contraste, o psiquiatra vê em Clarice o “mel no leão”.
Que o amor não tem regras. Mas desde quando é que gostamos de regras, sobretudo no amor?
Hannibal. Animal. Canibal. "Hannibal, the Cannibal", assim o apelidam os polícias que o perseguem, os mesmos que perseguem Clarice, mas por motivos muito diferentes. Porque ela é mulher e não "deve", não "pode" assumir lugares de poder dentro da hierarquia policial. São animais, portanto. E Clarice sabe disto. Só uma mulher inteligente pode entender Clarice. Ela sabe quão raros serão os homens que a possam entender. Sente isto, mesmo que não o consiga provavelmente explicar a si própria. E Hannibal sabe que ela sente que ele a entende.
Tu sabes que eu sei que tu sabes que eu … ah l’amour …
E aqui reside um dos fascinantes pontos fulcrais da narrativa de Thomas - por ironia (ou não) do destino, o único homem de entre todos os outros homens (animais) que a podem entender, é o maior Animal de todos, o Monstro.
Que a delicadeza do pensamento de Hannibal, das suas palavras, dos seus gestos, dos seus pensamentos – o “palácio de memórias” é um conceito brilhante que Harris roubou a outros autores mas que soube adaptar de forma cativante – é conferida com uma economia de palavras al dente, apenas o essencial para que o leitor imagine o resto. Nas entrelinhas existem passinhos de lã e de veludo cortados, como o limão corta as natas, por gestos impiedosos. Analogia culinária intencional, ou não estivéssemos a falar de um homem com um paladar apuradíssimo e um sentido olfactivo fora do vulgar. Que Thomas usa as palavras como se estas fossem jóias preciosas e terríveis, ingredientes envenenados de um elixir destinado a provocar emoções precisas no leitor que o bebe.
O que torna a série de 4 romances de Thomas Harris tão extraordinária, se não houvesse tantos motivos adicionais mais do que suficientes, é que, enfim, ele deixa nas entrelinhas esta pergunta arrepiante e contundente: Quem é mais animal, afinal? Hannibal, o Canibal, dono de uma sensibilidade agudíssima, ou os agentes do FBI, os homens que farão tudo o que for possível para que uma mulher não possa juntar-se à sua alcateia? Quem é, afinal, o Canibal? O devorador de carne humana ou os devoradores da mente?

Sem comentários: