Sinopse
Undine é uma historiadora de
arte que dá conferências sobre o desenvolvimento urbano da cidade de Berlim.
Certo dia, apaixona-se por Johannes, com quem inicia um relacionamento amoroso.
Quando ele a troca por outra mulher, Undine vê-se tomada por um desejo incontrolável
de o matar.
Opinião
por Artur Neves
Christian Petzold,
realizador alemão de créditos firmados na arte cinematográfica habituou-nos à
demonstração de personagens fortes, bem caracterizados e bem definidos, tais
como em “Barbara” de 2012, a história de um casal com ideias bem definidas
entre si, ou "Phoenix" de 2014, ou ainda, "Em Trânsito" de
2018, onde contracena com o mesmo par romântico deste seu filme mais recente,
em histórias centradas no real, aparece-nos agora misturando amor e fantasia
recriando a figura mitológica de Ondine uma ninfa habitante dos mares que somente
se concretiza através do amor fiel, punindo-o com a morte desde que conheça uma
infidelidade da parte deste.
Aliás, “Ondinas” (ou Undine
na versão original da mitologia clássica) são entidades descritas com características
femininas, associadas à água, mencionadas por Paracelso, encontradas na
literatura clássica, particularmente em “Metamorfoses de Ovídeo” que
modernamente foram utilizadas na literatura e no cinema como em “A Pequena Sereia”,
que sem possuírem alma ou forma humana, podem adquiri-la pela sua proximidade com
os humanos a quem se dedicam para toda a eternidade até serem alvo de uma
rejeição por parte destes.
É neste particular que entra
a história contada em “Undine” e que se estranha ter origem em Christian
Petzold, considerando o seu sóbrio pragmatismo nos trabalhos anteriormente
referidos, até porque, morrer de amor já não se usa e matar por despeito de ser
deixada pode não ser a forma mais fácil de acabar com uma relação esgotada.
O filme começa precisamente
pela declaração de uma personagem feminina, forte e determinada, Undine (Paula
Beer) declarando ao seu atual companheiro, Johannes (Jacob Matschenz) a
necessidade imperiosa de o matar se ele deixar de amá-la ou a trocar por outra,
coisa que ela já suspeita considerando as dúvidas demonstradas na conversa com
ele, á mesa da esplanada situada em frente do Departamento de Desenvolvimento
Urbanístico de Berlim onde ela trabalha como historiadora e palestrante sobre a
evolução arquitetónica da cidade, antes e depois da queda do muro que dividiu a
cidade sob a gestão dos dois regimes políticos diferentes que a governaram no
pós 2ª guerra mundial.
A declaração fria e
definitiva da sua intenção de matar inspira-se no mito de Ondina, como uma
espécie de vertigem feminina de uma mulher fria, mas também capaz de se
entregar sem limites numa relação impolutamente recíproca. Aqui não quero
deixar de referir a interpretação convincente e perfeita de Paula Beer, como
sendo o melhor registo que o filme nos oferece.
A história desenvolve-se
pela falência do atual romance e pela transferência do amor para Christoph
(Franz Rogowski) num encontro fortuito que resulta em espetacular acidente, onde
se evidenciam as caraterística e o ritual do amor à primeira vista. O elemento
marcante do acidente fica corporizado num boneco de porcelana que representa um
mergulhador de escafandro que se vai revelando ter poderes sobrenaturais (tal
como em “A Forma da Água” de 2017 mas não tão exuberante) que poderá simbolizar
metaforicamente a premonição da sua relação com Christoph, considerando que
este é soldador profissional em trabalhos realizados em ambiente submerso.
É aqui que se desconhece
Petzold porque no seguimento o filme assume duas linguagens e dois planos
diferentes entrando progressivamente no domínio do presságio e do sonho,
misturando repetidamente o real com o pesadelo e com o fantasmagórico que se
apresenta a Christoph como inevitável e potencialmente mortal. A narrativa prossegue
entre o mítico e o real, numa luta simbólica entre o transcendente e o real onde
parece que Petzold não teve fôlego para descodificar entre o amor generoso e o
amor obsessivo mantendo ambos os sentimentos na dualidade incerta das suas
verdadeiras dimensões.
Para lá da vertente do amor
mitológico o filme também se detém no desenvolvimento arquitetónico de Berlim,
focando-se particularmente no Forum Humboldt que foi reconstruído neste século
à semelhança do que era antes de ser demolido, mas que, para quem não conhecer
a problemática subjacente ao processo, conduz-nos à perplexidade e confusão
sobre o que Petzold pretende ao seguir por aquele caminho, guiado por um amor de
contornos transcendente que nos faz pensar que o realizador não soube objetivar
a narrativa em que se meteu.
Não posso dizer todavia que
seja um filme desinteressante, mas antes, diferente do que Petzold nos
habituou, fazendo-nos pensar que, a ambição de querer construir um mistério de
amor assente numa tese de história da cidade de Berlim pautada pelo amor á
cidade, tenha confundido ambos os objetivos prejudicando-os reciprocamente.
Em exibição nas salas de
cinema
Classificação: 5 numa escala
de 10
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