28 de maio de 2021

Opinião – “Quo Vadis Aida?” de Jasmila Žbanić

Sinopse

Aida é tradutora da ONU na pequena cidade de Srebrenica. Quando o exército sérvio da Bósnia assume o controlo da cidade, ela descobre que a sua família está entre os milhares de cidadãos que procuram abrigo no acampamento das Nações Unidas. Como uma pessoa de dentro das negociações, Aida tem acesso a informações cruciais que ela precisa interpretar. O que está no horizonte para sua família e seu povo – resgate ou morte?... Que ação ela deve tomar?... Inspirado em factos verídicos.

Opinião por Artur Neves

Retrata-se neste filme a monumental inépcia e indefinição da ONU em relação ao conflito da Guerra da Bósnia entre 1992 e 1995 quando a sua representação em Srebrenica, uma pequena vila na Bósnia Herzegovina, era constituída por militares holandeses e outros jovens locais de pouca idade, arvorados em capacetes azuis que mais não podiam fazer do que empunhar o símbolo da organização para testemunhar a sua integração numa força longínqua que os abandonou à sua sorte, enquanto desenvolvia reuniões infindas sobre o seu destino.

Aida Selmanagic (Jasna Djuricic) é uma professora que a representação da ONU requisita como tradutora, tomando assim um papel central na história mercê da sua livre movimentação no interior da representação e do conhecimento profundo da dinâmica política das forças estacionadas da ONU que reclamam apoio aéreo, sempre prometido mas que nunca chega, permitindo o genocídio de cerca de 3000 muçulmanos às mãos de exército Sérvio invasor que tomou a vila.

Aida, personagem fictícia do argumento que serve de guia da ação para o espectador, tem como objetivo salvar a sua família, o marido e os dois filhos, pelo que se desdobra entre as suas funções oficiais e o papel de mãe e esposa para garantir a segurança daqueles que ama, num ambiente de guerra que piora constantemente, tentando ainda gerir a proteção de milhares de refugiados, no precário equilíbrio entre a falta de recursos e a ausência de apoio externo que ameaça destruir o povo muçulmano da Bósnia e de comunicar ao povo as determinações dos impotentes soldados da ONU envolvidos numa guerra que se desenvolveu ao seu redor nos últimos três anos.

O exército Sérvio entra sem resistência em Srebrenica, comandado pelo general Ratjo Mladic (Boris Isakovic), que mais tarde viria a ser condenado a prisão perpétua por um tribunal internacional, sem que contudo essa punição tenha conseguido lavar o sangue das mãos da ONU. Ratjo Mladic é vaidoso e exige que todos os seus discursos humanistas de vencedor magnânimo sejam filmados e transmitidos para o mundo, enquanto reúne todo o povo da vila num descampado, negoceia com o Major Franken (Raymond Thiry), responsável pelas forças estacionadas da ONU a sua transferência para um lugar seguro em camionetas, devolvendo-os à liberdade, mas o que realmente faz é fuzilá-los assim que os carros se afastam de Srebrenica a uma distância fora da vista.

A argumentista e realizadora Jasmila Žbanić nascida em Sarajevo em 1974 apresenta-nos toda esta história sem imagens chocantes regadas com sangue, como é frequente em filmes de guerra, mas antes de uma forma emocional onde Aida é a sua intérprete fundamental nas suas movimentações progressivamente ansiosas, nos seus olhares imoveis no vazio, na sua expressão dura e determinada, ciente que a sua posição não lhe confere qualquer garantia diferente de todos os outros prisioneiros e nas pausas para fumar que a evadem do caos circundante, mas que não são mais do que o prenúncio da tragédia que aos poucos se vai adivinhando pelo desenrolar da história.

A filmagem é conseguida maioritariamente de câmara na mão, com tomadas de vista perto da ação de forma a inserir-nos no ambiente tenso que se vai adensando, deixando ao espectador a avaliação da gravidade dos acontecimentos que se sucedem, vivenciados pela protagonista numa correria insana sem objetivo definido porque ela, tal como todos os outros, não têm para onde realmente fugir. Muito bom, recomendo sem reservas.

Em exibição nas salas a partir de 3 de Junho

Classificação: 8 numa escala de 10

 

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