Sinopse
Anthony (Anthony Hopkins,
vencedor de um Óscar) tem 81 anos e mora sozinho no seu apartamento em Londres,
rejeitando todas as enfermeiras que a sua filha Anne (Olivia Colman, vencedora
de um Óscar) tenta impor-lhe. Porém, esse apoio torna-se cada vez mais urgente
para ela, pois vai deixar de poder visitá-lo todos os dias – decidiu mudar-se
para Paris para viver com um homem que acabou de conhecer...
Mas se isso é verdade, quem
é o estranho que irrompe pela sala de Anthony, afirmando ser casado com Anne há
mais de dez anos? E porque diz tão convictamente que estão na casa do casal e
não no apartamento de Anthony? E ela não tinha decidido ir viver para Paris? Estará
Anthony a perder o juízo? Parece que o mundo, por instantes, deixou de ter
lógica.
‘O Pai’ aborda a trajetória
extremamente tocante de um homem, outrora forte e enérgico, cuja realidade se
vai desmoronando lentamente perante os nossos olhos. Mas é também a história de
Anne, a filha que enfrenta um dilema igualmente revelador e doloroso: o que
fazer com o pai? Como viver o momento mantendo a dignidade dos dois?
Opinião
por Artur Neves
Como resultado da adaptação
da peça teatral premiada do dramaturgo francês Florian Zeller “Le Père” temos
aqui uma versão melhorada do tema da evolução da demência, adaptado e traduzido
para a língua e cultura inglesa por Christopher Hampton que transcende as raízes
teatrais pela mão de Anthony Hopkins no papel central de Anthony, dando corpo a
um personagem que funciona bem em si mesmo, instalando alguma confusão no
espectador até este entender que está a ver a interpretação do mundo exterior
através da mente perturbada de Anthony.
Anthony tem 80 anos, vive no
seu espaçoso apartamento em Londres e luta com a filha Anne (Olivia Colman) que
o visita regularmente, para a convencer de que está bem de saúde, não precisa
de ninguém que cuide dele, que só têm como objetivo roubar-lhe o que ele
possui, tal como o relógio de pulso desaparecido de que ele não prescinde, mas
que a sua filha facilmente recupera, escondido por ele num lugar secreto, do
qual já se tinha esquecido.
O apartamento é um espaço
físico rígido, mas a disposição dos móveis e a própria decoração das salas muda
constantemente sendo-nos apresentado em planos lentos, circulando por
corredores e portas num cenário labiríntico que por vezes nos confunde. É a
mesma técnica usada nos filmes de terror em que uma porta entreaberta significa
uma ameaça ou pelo menos uma surpresa desconhecida. Também aqui o espectador
tem de se habituar a um layout mutável
quase de cena a cena e quanto mais cedo o aceitar melhor desfrutará da
excelente representação que lhe é oferecida.
Hopkins e Colman são
excelentes a defender os seus personagens e se dele nos recordamos pelo seu
impressionante Hannibal Lecter de “O Silêncio dos Inocentes” recentemente
comemorado pelos seus 30 anos de estreia, ela, mostra-nos que pode fazer
qualquer coisa e que neste desempenho nunca teve um momento em falso em
qualquer das muitas cenas em que aparece. Ambos foram merecidamente nomeados
para os Óscares mas duvido que sejam contemplados, considerando a recente
distinção de Hopkins nos BAFTA deste ano e Colman recebeu um Oscar em 2019 pelo
seu desempenho em “A Favorita” no papel da rainha Anne, monarca inglesa no
século XVIII.
Na cena em que Anne procura
admitir mais uma cuidadora, devido á expulsão da última pelo seu pai, pode
admirar-se a extrema versatilidade de Hopkins alternado entre o charme
acolhedor e a crueldade, ao insinuar-se primeiro na conversa com Laura (Imogen
Poots) durante a sua entrevista com Anne para apresentação ao lugar e de
seguida atacando-a devastadoramente pelo seu sorriso franco e aberto, não
perdendo a compostura numa série de sorrisos gelados que misturam pena com
humilhação, saindo posteriormente da sala como se nada tivesse acontecido.
Todo o filme desafia o público
na avaliação da coerência dos factos que lhe apresenta colocando-nos no mundo
mutante de Anthony elaborando magistralmente a narrativa da demência e da perda
de memória e embora sem possuir um momento mais marcante ou mais empolgante
pela degenerescência progressiva da doença, é um filme incrivelmente perfeito ao
terminar no regresso á origem do ser humano que quando sente que tudo falha ao
seu redor, refugia-se no desejo de ser amado, no acolhimento do consolo remoto
da sua mãe, que reclama, no momento em que se consciencializa de que tudo o que
reconhece da sua vida está a ser arrancado dele definitivamente. Muito bom,
recomendo vivamente.
Tem estreia prevista para 6 de
Maio nas salas de cinema.
Classificação: 8 numa escala
de 10
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