20 de abril de 2021

Opinião – “O Pai” de Florian Zeller

Sinopse

Anthony (Anthony Hopkins, vencedor de um Óscar) tem 81 anos e mora sozinho no seu apartamento em Londres, rejeitando todas as enfermeiras que a sua filha Anne (Olivia Colman, vencedora de um Óscar) tenta impor-lhe. Porém, esse apoio torna-se cada vez mais urgente para ela, pois vai deixar de poder visitá-lo todos os dias – decidiu mudar-se para Paris para viver com um homem que acabou de conhecer...

Mas se isso é verdade, quem é o estranho que irrompe pela sala de Anthony, afirmando ser casado com Anne há mais de dez anos? E porque diz tão convictamente que estão na casa do casal e não no apartamento de Anthony? E ela não tinha decidido ir viver para Paris? Estará Anthony a perder o juízo? Parece que o mundo, por instantes, deixou de ter lógica.

‘O Pai’ aborda a trajetória extremamente tocante de um homem, outrora forte e enérgico, cuja realidade se vai desmoronando lentamente perante os nossos olhos. Mas é também a história de Anne, a filha que enfrenta um dilema igualmente revelador e doloroso: o que fazer com o pai? Como viver o momento mantendo a dignidade dos dois?

Opinião por Artur Neves

Como resultado da adaptação da peça teatral premiada do dramaturgo francês Florian Zeller “Le Père” temos aqui uma versão melhorada do tema da evolução da demência, adaptado e traduzido para a língua e cultura inglesa por Christopher Hampton que transcende as raízes teatrais pela mão de Anthony Hopkins no papel central de Anthony, dando corpo a um personagem que funciona bem em si mesmo, instalando alguma confusão no espectador até este entender que está a ver a interpretação do mundo exterior através da mente perturbada de Anthony.

Anthony tem 80 anos, vive no seu espaçoso apartamento em Londres e luta com a filha Anne (Olivia Colman) que o visita regularmente, para a convencer de que está bem de saúde, não precisa de ninguém que cuide dele, que só têm como objetivo roubar-lhe o que ele possui, tal como o relógio de pulso desaparecido de que ele não prescinde, mas que a sua filha facilmente recupera, escondido por ele num lugar secreto, do qual já se tinha esquecido.

O apartamento é um espaço físico rígido, mas a disposição dos móveis e a própria decoração das salas muda constantemente sendo-nos apresentado em planos lentos, circulando por corredores e portas num cenário labiríntico que por vezes nos confunde. É a mesma técnica usada nos filmes de terror em que uma porta entreaberta significa uma ameaça ou pelo menos uma surpresa desconhecida. Também aqui o espectador tem de se habituar a um layout mutável quase de cena a cena e quanto mais cedo o aceitar melhor desfrutará da excelente representação que lhe é oferecida.

Hopkins e Colman são excelentes a defender os seus personagens e se dele nos recordamos pelo seu impressionante Hannibal Lecter de “O Silêncio dos Inocentes” recentemente comemorado pelos seus 30 anos de estreia, ela, mostra-nos que pode fazer qualquer coisa e que neste desempenho nunca teve um momento em falso em qualquer das muitas cenas em que aparece. Ambos foram merecidamente nomeados para os Óscares mas duvido que sejam contemplados, considerando a recente distinção de Hopkins nos BAFTA deste ano e Colman recebeu um Oscar em 2019 pelo seu desempenho em “A Favorita” no papel da rainha Anne, monarca inglesa no século XVIII.

Na cena em que Anne procura admitir mais uma cuidadora, devido á expulsão da última pelo seu pai, pode admirar-se a extrema versatilidade de Hopkins alternado entre o charme acolhedor e a crueldade, ao insinuar-se primeiro na conversa com Laura (Imogen Poots) durante a sua entrevista com Anne para apresentação ao lugar e de seguida atacando-a devastadoramente pelo seu sorriso franco e aberto, não perdendo a compostura numa série de sorrisos gelados que misturam pena com humilhação, saindo posteriormente da sala como se nada tivesse acontecido.

Todo o filme desafia o público na avaliação da coerência dos factos que lhe apresenta colocando-nos no mundo mutante de Anthony elaborando magistralmente a narrativa da demência e da perda de memória e embora sem possuir um momento mais marcante ou mais empolgante pela degenerescência progressiva da doença, é um filme incrivelmente perfeito ao terminar no regresso á origem do ser humano que quando sente que tudo falha ao seu redor, refugia-se no desejo de ser amado, no acolhimento do consolo remoto da sua mãe, que reclama, no momento em que se consciencializa de que tudo o que reconhece da sua vida está a ser arrancado dele definitivamente. Muito bom, recomendo vivamente.

Tem estreia prevista para 6 de Maio nas salas de cinema.

Classificação: 8 numa escala de 10

 

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