7 de abril de 2021

Opinião – “Concret Cowboy” de Ricky Staub

Sinopse

Um adolescente rebelde vai a Filadélfia passar o verão com o pai afastado e encontra um novo sentido de família numa comunidade de cowboys afro-americanos.

Opinião por Artur Neves

A história dos USA veiculada pelo cinema de Hollywood não nos mostra esta faceta da conquista do oeste americano pelos negros imigrantes que chegaram ao novo continente nos séculos XVIII e XIX e que tal como outros povos vinham à procura do sucesso e do futuro. Como tal é lógico que tenham existido cowboys negros, para lá dos ingleses e irlandeses louros e de olhos azuis que nos têm sido vendidos nos westerns produzidos pela indústria americana. Aliás Quentin Tarantino já nos tinha mostrado esta realidade em “Django Libertado” de 2012, ou posteriormente em “Os Oito Odiados” de 2015, para não citar outros exemplos.

Onde essa realidade foi mais acentuada e durou mais tempo foi precisamente em Filadélfia, no estado da Pensilvânia, onde decorre esta historia passada entre as décadas de 50 – 60, adaptada de um romance de Greg Neri, inspirado no Fletcher Street Urban Riding (Club da vida real de Filadelfia) que nos reporta a vida da comunidade negra ainda ligada aos cavalos e às cavalariças (as “oficinas” dos cavalos) que resistia aos novos tempos do cavalo mecânico que insistia e lhe bater á porta, constituindo-os num ghetto de habitante negros, com alguma permissividade das autoridades locais.

A frugalidade das sinopses da Netflix não refere que o “adolescente rebelde” é Cole (Caleb McLaughlin) filho de pais separados ao cuidado de sua mãe Amahle (Liz Priestley) em Detroit, que fica sem meios de o controlar depois de ele ter sido expulso da escola que frequentava. Em face dessa situação e não querendo deixar o filho sujeito às más companhias durante a sua ausência para trabalhar, Amahle viaja até Filadélfia para o entregar ao pai Harp (Idris Elba) que faz parte de uma comunidade de cavaleiros que gerem um estábulo em ruínas, com outros saudosos desta atividade e possuidores destes animais, que lutam contra o progresso e a evolução urbanística que os quer desalojar dos seus decrépitos e sujos locais de vida.

Harp é uma figura sóbria, de poucas falas, partilha a sua desarrumada casa com um cavalo, de nome Chuck, que habita um estábulo improvisado no que deveria ser a sua sala de estar, fornece-nos informações sobre o caráter de Harp, bem como, para a sua propensão para a rebeldia e não cumprimento de regras, principalmente se elas foram estabelecidas por brancos contra quem ele arregimenta adeptos.

É neste ambiente que Cole é largado, sem se lembrar que nasceu ali e se mudou devido á separação dos seus pais, todavia, não foi esquecido por Nessie (Lorraine Toussaint) uma vizinha amiga do seu pai que tenta apoiá-lo à chegada, quando ele se encontra na rua com dois sacos de lixo na mão onde guarda todos os seu pertences, batendo à porta de casa do seu pai ausente. Outra pessoa que igualmente não o esqueceu é Smush (Jharrel Jerome) um amigo de infância que trafica droga por conta, anda de automóvel à procura de oportunidades de lucro, tem um sonho para sair dali e pode incluir Cole, se ele quiser colaborar com a atividade do pequeno tráfico a que ele se dedica.

Com estes ingredientes fica formado o ambiente para o drama de família e a história de delinquência que com altos e baixos se transforma na redenção de Cole, na sua transformação de adolescente recalcitrante em homem válido, através do seu convívio com uma animal selvagem, recriando a memória distante contada em reuniões junto à fogueira, de curas conseguidas pelo convívio com cavalos, e na inevitável reconciliação da família que o gerou.

Trata-se de uma obra de ficção inspirada remotamente em factos reais, recriando uma instituição centenária situada ao norte de Filadélfia que não conhecemos de todo, onde se mantém a tradição de equitação negra, paredes meias com o centro da cidade, e que sobrevive apesar da pressão de gentrificação exercida sobre ela. Constitui ainda a estreia de Ricky Staub na direção de uma longa metragem onde se nota a sua preocupação de identificação de um tema que não lhe é familiar mas que soube defendê-lo. Todo o trabalho de atores está bem conduzido, tanto com os profissionais como com os não profissionais, todavia é um tema de esquecimento rápido por não se incluir no nosso imaginário.

Disponível na plataforma Netflix desde 2 de Abril

Classificação: 5 numa escala de 10

 

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