11 de janeiro de 2021

Opinião – “Pieces of a Woman” de Kornél Mundruczó

Sinopse

Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf) são um casal de Boston à beira da paternidade, cujas vidas mudam irrevogavelmente quando um parto em casa termina em uma tragédia inimaginável. Assim começa uma odisseia de um ano para Martha, que deve navegar na sua dor enquanto trabalha um relacionamento turbulento com Sean e com a sua mãe dominadora (Ellen Burstyn), junto com a parteira difamada publicamente (Molly Parker), a quem ela deve enfrentar no tribunal.

Opinião por Artur Neves

O título original deste filme da Netflix tem tradução imediata para “Pedaços de uma Mulher” mas não me parece ser o mais adequado ao tema em apreço, por quanto “pedaços” transmitem-nos a ideia de desagregação, de retalhos, de incompletude que estão em desacordo com a opção consciente desta mulher em ter um parto natural em casa, correndo todos os riscos daí decorrentes em caso de ocorrência dos imprevistos que afinal se vieram a verificar. Como tal, o título de “Atos de uma Mulher” caracterizaria melhor a sua personalidade e os restantes eventos mostrados nesta história, principalmente a sua dolorosa viagem íntima para lidar com a perda irreparável do falecimento da sua filha, muito pouco tempo após o parto tão dificilmente conseguido em ambiente impróprio.

A primeira meia hora reporta-nos uma ação particularmente intensa, até esgotante pelo seu realismo convincente e extraordinariamente bem interpretada por três personagens que nos exprimem os maiores contrastes emocionais imagináveis ao longo de uma noite de parto que termina com uma incomensurável tragédia aterrorizante e devastadora com sequelas traumáticas para o resto da vida.

Kornél Mundruczó de origem húngaro e com largo histórico de realização desde 1998 tem com este filme a sua estreia em língua inglesa, com um argumento escrito por Kata Wéber, baseado numa peça de teatro com o mesmo nome estreada na Polónia em 2018, que nos ofereceu este docudrama em que Martha e Sean se entregam completamente a uma longa tomada de vistas de um excruciante parto que nos perturba.

A parteira que acompanhou Martha durante a gravidez está impedida de a apoiar por estar envolvida noutro parto à mesma hora e recomenda-lhe que contactem uma sua colega Eva (Molly Parker) igualmente fundamental nesta primeira parte do filme em que se apresenta calma e segura das ações a desenvolver, embora não reúna a necessária confiança do casal pelo natural desconhecimento dum primeiro contacto. Enquanto Martha sofre, Sean anda de uma lado para o outro como uma animal enjaulado sem poder, nem saber o que fazer. Eva ao princípio segura, começa habilmente a mostrar-nos lampejos de preocupação enquanto tenta acalmar Martha para que continue o seu esforço. Depois surgem nos seus olhos as primeiras notas de apreensão e a primeira indicação de complicações, depois os problemas avolumam-se até que finalmente seja tomada a decisão de chamar uma ambulância que transporte Martha para o hospital. No entretanto, o parto conclui-se e a tragédia consuma-se.

Depois deste evento segue-se o afastamento de Martha e Sean, que já começavam a atravessar momentos de frieza que o nascimento da filha deveria recompor, ou pelo menos motivar a oportunidade de religação. Eles pertencem a mundos muito diferentes, ela é uma executiva numa grande corporação, ele, um executante da construção civil na altura a empenhado na construção de uma ponte que também funciona como metáfora para a ligação entre os dois, todavia o seu temperamento truculento, vulgar e circunstancial torna-o um ser humano desprezível que nunca reuniu a aquiescência da mãe de Martha, Elizabeth (Ellen Burstyn num papel secundário com muito prestígio) que agora paga-lhe para desaparecer.

Pelo meio da história são ainda conhecidos outros factos que compõem o desenlace deste casal, cuja primeira hora deixa marcas contundentes pelo seu realismo. Toda a história gira em torno de Martha, das suas decisões e dos seus atos terminando na barra do tribunal em que Elizabeth pretende culpar Eva pela morte da neta. Mais uma vez uma decisão de Martha desencadeia o twist final da história que nos prende por 126 minutos sem todavia nos cansar. Recomendo, está disponível na plataforma Netflix desde 7 de janeiro.

Classificação: 7,5 numa escala de 10

 

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