Sinopse
Martha (Vanessa Kirby) e
Sean (Shia LaBeouf) são um casal de Boston à beira da paternidade, cujas vidas
mudam irrevogavelmente quando um parto em casa termina em uma tragédia
inimaginável. Assim começa uma odisseia de um ano para Martha, que deve navegar
na sua dor enquanto trabalha um relacionamento turbulento com Sean e com a sua
mãe dominadora (Ellen Burstyn), junto com a parteira difamada publicamente
(Molly Parker), a quem ela deve enfrentar no tribunal.
Opinião
por Artur Neves
O título original deste
filme da Netflix tem tradução imediata para “Pedaços de uma Mulher” mas não me
parece ser o mais adequado ao tema em apreço, por quanto “pedaços”
transmitem-nos a ideia de desagregação, de retalhos, de incompletude que estão
em desacordo com a opção consciente desta mulher em ter um parto natural em
casa, correndo todos os riscos daí decorrentes em caso de ocorrência dos imprevistos
que afinal se vieram a verificar. Como tal, o título de “Atos de uma Mulher” caracterizaria
melhor a sua personalidade e os restantes eventos mostrados nesta história,
principalmente a sua dolorosa viagem íntima para lidar com a perda irreparável
do falecimento da sua filha, muito pouco tempo após o parto tão dificilmente
conseguido em ambiente impróprio.
A primeira meia hora
reporta-nos uma ação particularmente intensa, até esgotante pelo seu realismo
convincente e extraordinariamente bem interpretada por três personagens que nos
exprimem os maiores contrastes emocionais imagináveis ao longo de uma noite de
parto que termina com uma incomensurável tragédia aterrorizante e devastadora
com sequelas traumáticas para o resto da vida.
Kornél Mundruczó de origem húngaro
e com largo histórico de realização desde 1998 tem com este filme a sua estreia
em língua inglesa, com um argumento escrito por Kata Wéber, baseado numa peça
de teatro com o mesmo nome estreada na Polónia em 2018, que nos ofereceu este
docudrama em que Martha e Sean se entregam completamente a uma longa tomada de
vistas de um excruciante parto que nos perturba.
A parteira que acompanhou Martha
durante a gravidez está impedida de a apoiar por estar envolvida noutro parto à
mesma hora e recomenda-lhe que contactem uma sua colega Eva (Molly Parker)
igualmente fundamental nesta primeira parte do filme em que se apresenta calma
e segura das ações a desenvolver, embora não reúna a necessária confiança do
casal pelo natural desconhecimento dum primeiro contacto. Enquanto Martha
sofre, Sean anda de uma lado para o outro como uma animal enjaulado sem poder,
nem saber o que fazer. Eva ao princípio segura, começa habilmente a mostrar-nos
lampejos de preocupação enquanto tenta acalmar Martha para que continue o seu
esforço. Depois surgem nos seus olhos as primeiras notas de apreensão e a
primeira indicação de complicações, depois os problemas avolumam-se até que
finalmente seja tomada a decisão de chamar uma ambulância que transporte Martha
para o hospital. No entretanto, o parto conclui-se e a tragédia consuma-se.
Depois deste evento segue-se
o afastamento de Martha e Sean, que já começavam a atravessar momentos de
frieza que o nascimento da filha deveria recompor, ou pelo menos motivar a
oportunidade de religação. Eles pertencem a mundos muito diferentes, ela é uma
executiva numa grande corporação, ele, um executante da construção civil na
altura a empenhado na construção de uma ponte que também funciona como metáfora
para a ligação entre os dois, todavia o seu temperamento truculento, vulgar e
circunstancial torna-o um ser humano desprezível que nunca reuniu a aquiescência
da mãe de Martha, Elizabeth (Ellen Burstyn num papel secundário com muito
prestígio) que agora paga-lhe para desaparecer.
Pelo meio da história são
ainda conhecidos outros factos que compõem o desenlace deste casal, cuja
primeira hora deixa marcas contundentes pelo seu realismo. Toda a história gira
em torno de Martha, das suas decisões e dos seus atos terminando na barra do
tribunal em que Elizabeth pretende culpar Eva pela morte da neta. Mais uma vez
uma decisão de Martha desencadeia o twist
final da história que nos prende por 126 minutos sem todavia nos cansar. Recomendo,
está disponível na plataforma Netflix desde 7 de janeiro.
Classificação: 7,5 numa
escala de 10
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