13 de maio de 2020

Opinião – “Clara e Claire” de Safy Nebbou


Sinopse

Para espiar o amante Ludo, Claire, uma mulher de 50 anos, cria um falso perfil nas redes sociais. Transforma-se em Clara, uma belíssima jovem de 24 anos. Alex, amigo de Ludo, sente-se imediatamente atraído. Claire, prisioneira do seu Avatar, apaixona-se loucamente. Mesmo que tudo aconteça virtualmente, os sentimentos são reais.
Uma história vertiginosa em que a realidade e a mentira se confundem.

Opinião por Artur Neves

Não posso deixar de referir a proximidade em que se situam ambas as histórias contadas neste filme e no anteriormente publicado “Rainha de Copas”. São ambas, resultados de casos de assédio de mulheres de 50 anos, por um adulto jovem no caso deste filme e de um adolescente no caso do “Rainha de Copas”, as suas trajectórias, comportamentos e contextos é que são substancialmente diferentes, embora a sua raiz de solidão seja comum.
Com o enredo sumariamente descrito na sinopse, encontramos Claire (Juliette Binoche) no consultório da sua psicóloga Dra. Bormans (Nicole Garcia) tentando recompor-se do trauma de ter sido abandonada pelo seu marido (que a trocou por uma jovem que só posteriormente saberemos quem é) e pelo seu amante de ocasião, Ludo (Guillaume Gouix) que ela pretende perseguir através de interposta pessoa, para o que constrói um perfil falso numa rede social, com o qual pretende seguir os passos de Ludo através de Alex (François Civil), seu companheiro de quarto.
A relação estabelece-se no universo virtual e Alex e Clara (o perfil falso de Claire) estabelecem uma relação escaldante que do lado de Clara a transporta para a concretização dos seus desejos mais íntimos e para um amor a que ela não pensou inicialmente que sucumbisse, considerando os objetivos iniciais do seu projeto de seguimento de Ludo.
O drama romântico de Clara é nos apresentado por Claire em sucessivas sessões com laivos de suspense dignos de um thriller, incluindo ainda alguns dotes de comédia onde ela descreve e desafia a Dra, Bormans a comentar, a sua versão do amor vivido com Alex procurando conciliar os sentimentos de culpa e frustração, bem como, alimentar a sua carência de companhia e de amor que ela procurou através de uma mentira consumada nas redes sociais.
O silêncio circunspecto da psicóloga reflecte o olhar do espectador que se tenta defender da personagem apresentada por Claire, por pressentir que está sendo manipulado com uma história dentro da história que nos permite ajuizar a seriedade dos atos praticados por Clara ou por Claire, tal é o jogo de espelhos entre a realidade e o desejo do personagem ou do seu avatar.
Clara enreda-se assim nas suas próprias contradições assumindo como punição não permitir qualquer felicidade para si mesma, conduzindo Claire a uma instituição de doenças mentais para tentar reconstruir as partes em que se fragmentou, em que a intervenção da Dra Bormans é fundamental.
Esta troca de personagens on line é um fenómeno definido por catfish que Safy Nebbou, um realizador francês com origens argelinas, utiliza para nos avisar de um fenómeno real construído por pessoas que habitam este espaço virtual em busca de compensação física e emocional através da obtenção de likes que lhe criem a ilusão de viver relações reais, num meio virtual, onde cada um pode reinventar-se à sua maneira.
Nesta sua sexta longa metragem, Safy Nebbou adapta o romance de Camille Laurens "Celle que vous croyez", (“Aquela que vocês crêem que seja”, em tradução livre) utilizando a emblemática atriz de; “O meu belo Sol Interior”, Juliette Binoche, em mais uma magnífica interpretação do personagem dentro da personagem, sem receio de se mostrar como está, evidenciando toda a frescura remanescente dos seus 50 anos reais, a iluminação do seu rosto e do seu olhar que preenchem a tela. Embora sem o mesmo brilho próprio, este facto constitui outro ponto de contacto com a personagem de “Rainha de Copas” quando ela se aprecia frente a um espelho. A diferença fundamental entre as duas reside na tentativa de dissociação em que Claire se enreda, contra a acção que Anne projecta e deliberadamente pratica, todavia, ambas sofrem da mesma ausência que lhes traz solidão. Muito bom, recomendo.
Este filme está disponível na plataforma digital FILMIN por €3,95 ficando disponível para visionamento durante 72 horas.

Classificação: 7 numa escala de 10

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