Sinopse
Ricky (Kris
Hitchen) e a sua família lutam arduamente contra as dívidas desde o colapso
financeiro de 2008. A certa altura, Ricky tem uma oportunidade de recuperar
alguma independência com uma furgoneta novinha em folha e a possibilidade de
ter o seu franchise como motorista de entregas por conta própria. É um trabalho
duro, mas o emprego da mulher como cuidadora não é mais fácil. A família é
forte, mas quando ambos são empurrados em sentidos diferentes, o ponto de
rutura torna-se iminente.
Filme nomeado à Palma de Ouro no Festival de Cannes de
2019.
Opinião
por Artur Neves
É curioso notar a evolução
deste realizador, sempre voltado para histórias “com gente dentro” mas
abordadas de acordo com os ventos da época e como se tem desencantado depois do
recente arrefecimento da economia europeia a partir de 2008. Note-se que em
2009 Ken Loach apresentou-nos “Á Procura de Eric”, uma comédia com traços
dramáticos, em que um carteiro fanático de futebol, recebia instruções e treino
de Eric Cantona á mistura com tiradas filosóficas deste, aplicadas ao futebol.
Seguiu-se “O Salão de Jimmy” em 2014 já mais sério, “Eu, Daniel Blake” em 2016
corporizando uma forte crítica aos serviços sociais irlandeses e agora esta
história que nos desmonta o embuste do empreendedorismo individual quando “apoiado”
num franchising fortemente explorador
do franchisado.
Para lá da história,
sente-se que Loach está a cobrar dividendos do sucesso, justo aliás, de “Eu,
Daniel Blake”, carregando mais forte nas sombras negras que pairam sobre esta
família irlandesa, em que a mulher, cuidadora ao domicílio de vários doente
acamados ou impossibilitados de desenvolverem autonomamente as suas
necessidades básicas, abdicou do seu automóvel para dar como entrada para a
carrinha de transporte de entregas do negócio do marido, que se prolonga durante
14 horas diárias, porque as entregas têm de ser cumpridas e os objetivos
atingidos e policiados por um scanner
que o acompanha e confirma o cumprimento das tarefas.
Qualquer falta ao
cumprimento do programa dá origem a multas e nenhuma justificação de ausência é
atendível, quer seja por motivos familiares ou mesmo por doença, ou como resultado
de um ataque de malfeitores à carrinha para roubar os bens e maltratar o
condutor. Ken Loach mostra-nos de forma empolgante, realista e credível o
resultado desta economia espetáculo que apesar de novas formas de apresentação serve
sempre os mesmos, com total indiferença por quem trabalha e cria riqueza.
Para Ricky Turner (Kris
Hitchen) e Abbie Turner (Debbie Honeywood) o trabalho não é gratificante nem
promove a vida familiar degradando a relação com o seu filho Sebastian 'Seb'
Turner (Rhys Stone) em idade escolar frequentando uma formação em que não
acredita através do que observa do confronto entre os pais. A irmã mais nova, Lisa
Turner (Katie Proctor), sofre regressão de desenvolvimento com pesadelos e
enurese noturna decorrente da tensão em que a família vive. O fundamental nesta
história é o detalhe com que Loach nos mostram os efeitos do “trabalho escravo”
na sociedade e na família, em que o amor é relegado para um plano fora da
estabilidade de uma relação que se quer manter mas que tem contra ela forças
que é incapaz de contrariar.
Este filme trata de um tema
importante e igualmente sombrio que se torna urgente na sociedade atual, em que
uns poucos pretendem obter tudo à custa de muitos que não têm outra alternativa
se não servi-los de acordo com o “figurino” que lhes é imposto e que no fundo repete
a pergunta que Ken Loach já anda a fazer há muitos anos: a vida tem realmente
de ser assim?... Muito interessante, recomendo.
Classificação: 7,5 numa
escala de 10
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