Arte. O que a
define? Quais os seus limites? Quando o deixa de ser, para passar a ser algo
menos?
Esta é a premissa da peça “Arte”, escrita por Yasmina Reza e encenada por Adriano Luz e Carla de Sá, que trás três amigos, João Lagarto, Vítor Norte e Adriano Luz, a uma acesa discussão sobre um quadro, branco com riscas brancas, transversais, pintado pelo conceituado artista Antrios, pelo qual deles se apaixona ao ponto de gastar uma fortuna para o possuir, para grande desgosto de um dos amigos, que nada vê senão um quadro branco, e o outro que, de feitio mais simples e vontade de agradar ambos os lados, fica a meio termo.
Esta é a premissa da peça “Arte”, escrita por Yasmina Reza e encenada por Adriano Luz e Carla de Sá, que trás três amigos, João Lagarto, Vítor Norte e Adriano Luz, a uma acesa discussão sobre um quadro, branco com riscas brancas, transversais, pintado pelo conceituado artista Antrios, pelo qual deles se apaixona ao ponto de gastar uma fortuna para o possuir, para grande desgosto de um dos amigos, que nada vê senão um quadro branco, e o outro que, de feitio mais simples e vontade de agradar ambos os lados, fica a meio termo.
Opinião:
Esta peça lida
com um dos mais complicados tópicos de discussão, a apreciação da arte. Cada um
de nós traz consigo preconceitos e ideias sobre o que é, e o que não é, arte.
Para mim, há três distinções possíveis: é arte, e eu gosto; é arte, mas não
gosto; não considero arte. O “Caso Anteros” que a peça nos propõe para mim
dança no limiar das duas primeiras distinções. Consigo entender a beleza de um
quadro branco, com riscas transversais brancas que criam efeitos de sombras
interessantes, tornando a peça em arte, mas não consigo traduzir essa beleza
nos 30 mil euros que a personagem paga pelo quadro.
Neste caso,
identifico-me com a personagem de Adriano Luz, Ivo, que gosta do quadro, é
tocado por ele (como qualquer peça de arte deve tocar quem a aprecia), mas, na
sua simplicidade de gostos e de vida, não entente tamanho valor para tão pouco
conteúdo. Esta personagem faz-me lembrar um pouco Alberto Caeiro, pseudónimo de
Pessoa, na sua simplicidade desconcertante de ver o mundo.
Por outro lado,
entendo o argumento da personagem de Vítor Norte, Sérgio, o apaixonado pelo
Antrios, que está disposto a pagar um balúrdio para poder tê-lo em sua casa. É
notório que a peça lhe toca de maneiras extremas, vendo nela muito mais do que
riscos brancos em fundo branco. Há mais para lá deste Antrios, e Sérgio
consegue senti-lo.
Sente-o o
suficiente para por em causa uma amizade de longo tempo com Mário, que nada vê
na peça a não ser o que é visível, nada nela encontra de transcendente. É
apenas riscos brancos, transversais, numa tela branca. Nas suas palavras, “uma
merda”. Mário fica de facto afectado com a possibilidade de o amigo, que tão
bem conhece, possa ter tão mau gosto, chegando a ver nele pedantismo, a pior
característica que poderia encontrar em alguém por quem tem tanta estima.
Mas a peça é
sobre muito mais do que o valor subjectivo da arte. É sobre três amigos, de
longa data, que se conhecem muito bem mas possuem gostos, opiniões, visões de
vida e valores diferentes. É sobre esses amigos a levarem a sua amizade a um
extremo, à zanga, pueril própria de homens que se conhecem há demasiado tempo,
por assuntos inocentes que trazem subjacentes mágoas passadas, levando-os a
situações tão ridículas como a cena da pancada entre Mário e Sérgio, na qual a
única baixa é Ivo, ao tentá-los separar. Os espectadores (principalmente os
homens) encontrarão invariavelmente paralelos nas suas amizades de infância que
perduram até à maturidade, muitas vezes para espanto das pessoas de fora, que
nada encontram de comum entre eles depois das voltas que a vida adulta traz. A
verdade é que apesar daquilo que as pessoas se tornam enquanto adultos, uma
amizade destas é muito mais do que apenas se há ou não coisas em comum.
As situações
retratadas são constantemente divertidas, mas com uma subnota constante que nos
faz ponderar sobre o valor da amizade. Mostra o ridículo do nosso orgulho, da
(pouca) vontade que normalmente temos em aceitar opiniões diferentes das
nossas, e faz-nos considerar até que ponto devemos levar esse orgulho, até que
ponto não vale mais a nossa amizade. A certo ponto, somos levados pelas
personagens para lá da discussão sobre arte para o que está verdadeiramente
subjacente: as mentiras que dizemos para não magoar o amigo, as opiniões que
guardamos para nós para, num momento de fraqueza (como uma discussão), usarmos
como arma, as dores de vermos a relação de amizade a mudar, darmos de caras com
a realidade de modos de vida que nunca pensámos satisfatórios para alguém que
julgamos conhecer tão bem.
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