10 de fevereiro de 2016

Opinião - "Nostalgia da Luz" de Patricio Guzmán


Sinopse:
No deserto de Atacama, astrónomos de todo o mundo reúnem-se para observar as estrelas. Nessa região do Chile, a três mil metros de altitude, o calor do sol mantém intactos restos humanos. Ao mesmo tempo que os astrónomos pesquisam as galáxias em busca de vida extraterrestre, mulheres procuram os seus parentes na terra do deserto.
 
Opinião por Marta Nogueira
O presente não existe. Estamos sempre ligeiramente desfasados da realidade, por causa do efeito da velocidade da luz. E, se no espaço, quanto mais longe olhamos, mais observamos um passado cada vez mais remoto, isso também é verdade aqui na Terra, na nossa vida diária. E é ainda mais verdade num país como o Chile, assolado durante muito tempo por uma ditadura terrível, responsável pela morte de milhares de pessoas e que escondeu os seus restos mortais, com o objectivo de enterrar e esquecer o seu passado.
Este documentário belíssimo, contado a um ritmo muito próprio, o ritmo sul-americano, lento, compassado e melodioso, centra-se no deserto do Atacama, o mais límpido e seco deserto do mundo, aonde astrónomos e arqueólogos acorrem em massa, na eterna busca das estrelas e de ossos. E onde as mulheres dos Desaparecidos revolvem há décadas as pedras secas, debaixo de um sol implacável, sem desistirem de encontrar os corpos dos seus maridos, dos seus filhos, dos seus irmãos.
Enquanto os astrónomos procuram os rastos das estrelas moribundas desenhados em espectros de cálcio nos écrans dos seus computadores, os arqueólogos mostram com desvelo os corpos milenares preservados pela secura do deserto e as mulheres procuram os ossos dos seus parentes. Em comum têm o passado e o cálcio. O que para uns pode ser um deleite, para outros pode representar o desespero absoluto. Mas somos todos pó de estrelas e todos podemos encontrar alguma paz e algum consolo na sua observação. É isso que explica a jovem cujos pais desapareceram durante a ditadura e que foi criada pelos avós. Ela afirma que o estudo das estrelas ajuda-a a encontrar um sentido para a morte dos seus pais - que ela possa eventualmente fazer parte de um grande, imenso, infinito plano celestial.
Guzmán consegue aqui um documentário belo, nostálgico e ao mesmo tempo informativo. Aprendemos um pouco de ciência, maravilhamo-nos com as particularidades únicas deste deserto chileno e com as imagens deslumbrantes do espaço captadas pelos poderosos telescópios lá instalados e choramos com estas mulheres corajosas que nunca desistiram de querer encontrar os seus entes queridos e fechar um ciclo necessário à continuação das suas vidas.
Porque se não compreendermos o passado, nunca seremos capazes de construir o futuro.

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