12 de fevereiro de 2016

Opinião – “As Asas do Desejo” de Wim Wenders

Sinopse:
Na Berlim pós-guerra, Damiel (Bruno Ganz) e Cassiel (Otto Sander) são anjos que deambulam pela cidade. Invisíveis aos mortais, eles lêem os seus pensamentos e tentam confortar a solidão e a depressão das almas que encontram. Entretanto, um dos anjos, apaixona-se por uma trapezista (Solveig Dommartin) e deseja tornar-se um humano e experimentar as dores e alegrias de cada dia.
 
Opinião por Marta Nogueira
Quando o filme surgiu, ainda Berlim era uma cidade dividida. Pelos homens, pelos deuses, ou pelo ódio e o medo. Talvez tudo isto ao mesmo tempo. Berlim – a cidade símbolo da discórdia, da solidão, da separação. De um lado, homens livres, do outro homens mortos. Assim são as portas do chamado céu. De um lado, anjos acorrentados à sua condição de imortalidade insípida, inodora e incolor. Do outro, homens ignorantes da sua condição livre. Porque o homem se acorrenta a si próprio. Os anjos são forçados a isso. Genialidade de Wim Wenders.
Damiel sonha poder tocar numa pedra, escrever com uma caneta, sentir o frio de Berlim (uma Berlim que desejamos fosse sempre nesse preto-e-branco etéreo) e o cheiro do café quente. Este desejo solidifica-se finalmente perante a visão dessa trapezista alada, para quem as asas constituem igualmente um empecilho à sua liberdade aérea. Damiel, o anjo que deseja livrar-se das suas asas para poder finalmente voar em liberdade junto de Marion. A mesma Marion que procura um homem com quem possa ser solitariamente um todo.
Damiel, o anjo que quer ser homem para poder amar uma mulher inteiramente. No princípio, quando se encontram para comparar notas, é Cassiel quem relata grandes acontecimentos – mortes, suicídios, fugas. Damiel detém-se nos pequenos pormenores da vida – uma velha que apalpa o relógio para sentir as horas, um garoto que consegue explicar algo na aula. Porque esta é a vida. Como sobreviveram os berlinenses todos aqueles anos? Naturalmente imaginando o resto das suas famílias divididas olhando o mesmo céu, contemplando as mesmas estrelas, calcando as mesmas pedras da calçada. São os pequenos nadas da vida que fazem dela algo que vale a pena viver. “Quero ter a minha história”, diz Damiel. Uma história feita de despertares e adormeceres, de aragens de vento gélido no rosto, de mãos que se aquecem reciprocamente. De que serve presenciar a queda de Napoleão, a construção do império romano, quando não nos é permitido sentir um pingo de chuva no nariz, olhar o azul e o amarelo e deixar os olhos saborearem a diferença?
Cassiel quer salvar o mundo, Damiel apenas quer a sua salvação e a da mulher que ama. Egoísmo? Não … Humanidade. E quando essa humanidade tem o sorriso de Bruno Ganz, o mais terno sorriso do cinema, que coisa maravilhosa!
Porque haveremos de ansiar todos por um Paríso que não conhecemos, quando temos um aqui, debaixo dos nosso pés, na Terra? Se assim não fosse, porque haveria um anjo de querer ser homem?

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