16 de novembro de 2015

Opinião - "Platoon" de Oliver Stone


Sinopse:
Chris Taylor é um jovem e ingénuo americano que decide alistar-se como voluntário para combater na guerra do Vietnam. Chris pertence a um pelotão comandado pelo sargento Grodin, um homem conhecedor e humanitário, e pelo arrrogante e sanguinário sargento Barnes. Durante um ataque a uma aldeia, o sargento Barnes dá ordens para atirar sobre mulheres e crianças, dando origem a um choque entre as duas patentes e pondo em risco a unidade do grupo. A guerra continua e Chris, afectado pelo caos e pelo ódio, percebe que terá de sobreviver não só ao conflito com o inimigo mas também à luta entre os homens do seu pelotão.

Opinião por Marta Nogueira:
“Rejoice O young man in thy youth ...” - Eclesiastes

Platoon é a história de uma guerra, entre duas nações, mas também, e sobretudo, entre 2 homens de uma mesma nação. O Vietname reside como pano de fundo estrutural e simbólico de uma guerra ainda mais violenta, a que é travada entre fantasmas interiores, e é precisamente aí que reside toda a mestria de Stone. O realizador tomou dois homens, o Sargento Elias e o Sargento Barnes e transformou o que poderia ter sido apenas mais um filme sobre um dos conflitos bélicos mais cinematizados, num épico intemporal de contornos trágicos e eternos que perdura na memória de todos os que a ele assistiram, mesmo que disso não se apercebam conscientemente.
A mestria começa no casting, invertido. A Willem Dafoe, o actor de rosto diabólico habituado a interpretar papéis desconcertantes e negros, coube o cruzado Elias, o deus imaculado de princípios elevados. A Tom Berenger, o actor de rosto bondoso, o good old american boy habituado a interpretar heróis, coube Barnes, o deus corrompido e negro.
É fácil gostar de Elias. Porque ajuda os novatos acabados de chegar, enquanto Barnes não tem paciência para os aturar. Porque defende os aldeãos nativos, enquanto Barnes revela uma desumanidade extremada ao matar uma anciã vietnamita com um tiro na cabeça, apenas porque ela não parava de berrar. Porque partilha com os soldados rasos a droga amortecedora, enquanto Barnes nem toca nela. É sobretudo fácil gostar dele quando Barnes o atinge a sangue frio e o abandona no meio da selva para ser chacinado pelos vietcongs, numa das cenas mais arrebatadoras e iconográficas do filme. Muito fácil.
Não é fácil gostar do antipático, bruto, fechado, enraivecido e feroz Barnes que, como um touro espumando, atravessa o filme atentando contra tudo e todos. Não é nada fácil gostar de Barnes. Mas a verdade é que acabamos por gostar dele, talvez mais até do que do santo Elias. Mérito de Oliver Stone e sobretudo de Tom Berenger, que carrega heroicamente o seu Sargento através do inferno até aos nossos corações.
Como o próprio diz: “Eu não preciso de fumar isto para fugir à realidade. Eu sou a realidade.”
E é disso que este filme trata. Do confronto entre a realidade nua e crua e absurda da guerra que nunca tem sentido nenhum, e o idealismo puro e teimoso e absurdo dos princípios morais. Entre um homem que, de tanto “levar”, ultrapassou todas as barreiras com o seu corpo cicatrizado e a sua mente desumanizada e um outro homem que, apesar de tanto ter “levado”, mantém os seus valores intactos.
No meio destes dois deuses da guerra que se digladiam nas profundezas da selva vietnamita, está o soldado Chris Taylor (uma piscadela de olho de Stone ao outro grande épico do Vietname da década anterior – o actor que o interpreta, Charlie Sheen, é filho de Martin Sheen, o protagonista dessa outra tragédia grega que é Apocalipse Now). Taylor, o voluntário escarnecido pelos companheiros que não tiveram escolha, vê-se lançado para o epicentro de uma batalha terrível, onde não haverá vencedores nem vencidos e de onde ele próprio sairá renascido como uma fénix, das chamas e das cinzas dos restos desses dois deuses que trilham um caminho tenebroso em direcção da auto-destruição inevitável.
Como diz Rhah a Taylor: “O que é que vais fazer? Matá-lo? O Barnes já foi ferido sete vezes e não morreu. Porque não se decidiu a morrer. A única coisa que pode matar Barnes é o próprio Barnes.” O que acaba por suceder. Chris obedece à ordem do condenado Sargento, e transforma-se, ele próprio, no seu carrasco, no seu fantasma interior.
No final ouvimos a sua voz, enquanto sobrevoa de helicóptero o inferno dantesco: “Penso agora, que não combatemos o inimigo, mas a nós mesmos. O inimigo estava em nós. A guerra acabou para mim, mas permanecerá sempre comigo, o resto dos meus dias. Como tenho a certeza que Elias permanecerá, lutando com Barnes por aquilo que Rhah chamou ‘possessão da minha alma’. Houve alturas desde então que me senti como uma criança, nascida daqueles dois pais.”
Platoon continua a ser um filme impressionante, de uma simplicidade desprovida de subterfúgios ou meandros estilísticos, angustiante e comovedora. Tom Berenger tem a interpretação da sua vida, de uma crueza e honestidade despojadas de artifícios, arrebatadora. E no fim, é com ele que nos identificamos mais. Porque ele é, de facto, a realidade. Cinzenta, grosseira, com a força de um soco no estômago e a angústia de um deus contrariado, ferido, afinal, humanizado.
Barnes é a Guerra. Ele é o Vietname.

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