6 de junho de 2015

Opinião - Cem Anos de Soidão - Gabriel García Márquez


Título: Cem Anos de Solidão
Autor: Gabriel García Márquez
Editora: Dom Quixote

Sinopse:
"Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo."
Com estas palavras - tão célebres já como as palavras iniciais do Dom Quixote ou de À Procura do Tempo Perdido - começam estes Cem Anos de Solidão, obra-prima da literatura comtemporânea, traduzida em todas as línguas do mundo, que consagrou definitivamente Gabriel García Márquez como um dos maiores escritores do nosso tempo.
A fabulosa aventura da família Buendía-Iguarán com os seus milagres, fantasias, obsessões, tragédias, incestos, adultérios, rebeldias, descobertas e condenações são a representação ao mesmo tempo do mito e da história, da tragédia e do amor do mundo inteiro.

Opinião por Helena Bracieira:
Cem Anos de Solidão é um dos livros mais traduzidos e lidos e, por isso mesmo, o mais badalado de Gabriel García Márquez, escritor colombiano e prémio Nobel da Literatura de 1982. Percursor do chamado "realismo mágico" ou "realismo fantástico", esta obra é um marco na literatura latino-americana e serviu de inspiração para escritoras tão conhecidas como Laura Esquível ou Isabel Allende.
Nele o autor narra-nos a história da família Buendía, desde a sua origem até ao seu fim, geração após geração. Fundada pelo José Arcadio Buendía e pela sua esposa, Úrsula Iguarán, toda a acção se passa em Macondo, uma aldeia, depois vila e cidade, cuja localização exacta não nos é dita, mas que claramente deduzimos, pelo seu clima tropical e quente, ficar no interior de um dos países da América Latina: perto dos pântanos, longe do mar e da civilização.
Ao longo de cem anos, nos quais Úrsula vive acompanhando e cuidando dos seus descendentes (estima-se que tenha vivido bem mais de cem anos), observamos como os membros da família Buendía, por mais que tentem, não conseguem fugir à solidão. Ainda que alcancem momentos de intensa e extrema felicidade, a inevitabilidade do seu destino alcança-os sempre, sendo que a maioria morre em circunstâncias inusuais.
Assim, o tempo e a repetição de características nos diversos membros da família, formam como que um círculo vicioso, onde o tempo não parece ter nem princípio nem fim. A própria Úrsula, possuidora de um profundo conhecimento de todos os homens da sua família, chega a esta conclusão nos últimos instantes da sua longa, longa vida: "O tempo anda em círculos". Outra personagem que acompanha esta família é o misterioso Melquíades, um dos primeiros ciganos que chega a Macondo e que demonstra várias das maravilhas inventadas por todo o mundo, cativando desde logo o primeiro José Arcadio Buendia, curioso inventor. Ao morrer, Melquíades deixa um misterioso manuscrito escrito numa linguagem desconhecida e que as diversas gerações tentam decifrar, com a ajuda do seu próprio fantasma. Caberá ao último descendente da família decifrá-lo e revelar-nos o destino da família Buendía...
Estive a ler algumas opiniões pela internet fora e, de uma forma geral, um dos principais obstáculos com que os leitores se deparam é a dificuldade sentida em conseguirem acompanhar a torrente de acontecimentos narrados, nem sempre claros pela introdução de marcas do realismo mágico (por exemplo, um homem perseguido por borboletas amarelas, uma população inteira que se esquece de um massacre, uma mulher que se eleva até aos céus como se de uma santa se tratasse). Não surgem reflexões da parte do autor a não ser pela boca das personagens: a história é simplesmente narrada e a nós cabe-nos o papel de tirar as conclusões pelos episódios que ocorrem.
Para além disso, um fenómeno curioso é a repetição de nomes pelas sucessivas gerações: por um lado encontram-se os Aurelianos, introspectivos, acanhados, mas persistentes defensores das suas causas; por outro, os Arcadios, impulsivos, emotivos e sonhadores. Ambos marcados pela solidão. O facto de esta repetição ser uma constante e do narrador evocar personagens de gerações anteriores, facilita a existência de alguma confusão. Nada mais simples do que utilizar uma árvore genealógica para evitar este problema. Esta edição da obra tem uma no início do livro, mas existem muitas mais, basta para isso pesquisar no Google.
Até aqui tenho falado das personagens e da forma como é construída a história. Mas afinal de contas, qual é a mensagem que nos veicula Cem Anos de Solidão? García Márquez, enquanto escritor contestário das injustiças que o rodeiam, aproveita a personagem do coronel Aureliano Buendía para criticar a guerra - as suas causas e consequências -, e a política - a inconstância dos seus defensores que, além de terem ideologias ocas, alternam de lado consoante o vento mais favorável... A prepotência ditatorial surge num massacre cujos efeitos nefastos arrasam José Arcadio Segundo: o único sobrevivente de três mil e tal pessoas, enlouquece. Num dado momento invade Macondo uma companhia bananeira dirigida pelos gringos, devastando para sempre uma cidade que até então tinha tido um desenvolvimento inacreditável: o capitalismo usou e abusou de Macondo, sem consultar os que já lhe pertenciam, e deslocalizou-se, deixando atrás de si uma cidade que não mais veio a recuperar. Uma questão que também se pode colocar é a importância dos laços de sangue, da genética, na transmissão de conhecimentos - instintos - e experiências implícitos de geração para geração. A própria religião não escapa, sendo expostos através de Fernanda del Carpio os efeitos devastadores do fanatismo religioso.
Deste escritor já tinha lido Crónica de Uma Morte Anunciada, Ninguém Escreve ao Coronel e Amor em Tempos de Cólera, portanto já sabia de antemão o que esperar. Porém, nenhum destes me agarrou tanto como Cem Anos de Solidão: identifiquei-me intimamente com a sina das personagens, a solidão que as perseguia. Foi uma leitura impulsiva derivada do prazer que me provocou: não consegui largar o livro, devorei-o num par de dias, precisava de saber que destino iria ter esta família tão fora do comum. E julgo que é assim que deve ser lido, caso contrário, perdemos o fio à meada: se ficamos muito tempo longe da história, quando voltarmos a mergulhar nela, dificilmente nos conseguimos situar. Não achei nem a escrita demasiado rebuscada, nem tão pouco o rol de personagens com os mesmos nomes me confundiu, até porque estou habituada a ler clássicos da literatura - e este livro já se encontra nessa categoria, na minha humilde opinião -, que exigem uma atenção constante aos pormenores.
O final é perfeito e deixou-me sem palavras. Cada palavra deleitou-me e inspirou-me a combater a solidão, mesmo que seja essa a minha sina.
(I hope not!)

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