17 de maio de 2015

Opinião - O Longo Inverno - Ruta Sepetys


Título: O Longo Inverno
Autora: Ruta Sepetys
Editora: Contraponto

Sinopse:
Em 1941, Lina, de quinze anos, prepara-se para ingressar na escola de artes e para tudo o que aquele verão lhe pode proporcionar. No entanto, uma noite, a polícia secreta soviética invade a sua casa, levando-a juntamente com a sua mãe e o irmão mais novo. São enviados para a Sibéria. O pai de Lina é separado da família e conduzido a um campo de concentração. Lina decide arriscar tudo e usa a sua arte como forma de enviar mensagens, na esperança de que estas cheguem ao campo prisional onde o seu pai se encontra e lhe transmitam que a sua família ainda está viva. É uma longa e comovente viagem. Apenas a força, o amor e a esperança fazem com que Lina e a família resistam a cada dia. Mas será isso suficiente para os manter vivos?

Opinião por Filipa Monteiro:
"Levaram-me em camisa de noite.
Recordando agora como tudo se passou, percebo que os sinais estavam todos lá: as fotografias de família queimadas na chaminé, a minha mãe cosendo as nossas pratas e jóias mais valiosas ao forro do casaco até altas horas, todas as vezes em que o meu pai não voltou para casa logo após o trabalho.
Jonas, o meu irmão mais novo, fazia perguntas. Eu também, mas talvez me tenha recusado a ler os indícios.
Só mais tarde entendi que os meus pais planeavam a nossa fuga.
Não fugimos.
Fomos capturados."
É este o início do livro e foi este o início que me prendeu imediatamente.
Chegada à página 58 veio o meu primeiro assomo de lágrimas aos olhos. Página 237... choro. Página 243: "Do meu corpo putrefacto germinarão flores, e eu viverei nelas e a isso se chama eternidade" - Edvard Munch Esta citação, está embebida em todo o sumo deste livro...
A história passa-se nos anos em que a união soviética invadiu os países bálticos. Na altura em que o NKVD (mais tarde conhecido como o KGB) "governava" com mão de ferro tudo o que se mexe-se e fosse considerado por eles anti-soviético, assim, eram feitas listas e pessoas consideradas cultas e inteligentes, eram seleccionadas, juntas, deportadas e faziam viagens para o outro mundo... em condições... SEM condições.
"O longo inverno" apresenta-nos um leque de personagens tão ricas e com corações que não cabem com certeza no peito. Actos de bondade contínuos para quem não tem o mínimo de respeito, para quem não pode com certeza ser considerado um ser humano. Mas... um acto de crueldade para connosco não nos dá o direito de sermos cruéis de volta... certo?
Lina, uma artista em todo o seu ser, com uma habilidade única para desenhar, passar as emoções e actos para papel fenomenal, tanto o era, que até era proibida pelo pai de o fazer em casa, pois, os desenhos podiam parar nas mãos erradas e alguém ficar a saber o que ela pensava sobre determinados assuntos. Lina, cuja assinatura nos desenhos era tão característica que o pai ceta vez lhe diz, qualquer coisa como: "Mas Lina, a tua assinatura não se percebe, assim ninguém vai perceber que és tu". Ao qual, Lina responde: "Tu saberás, pai. Tu saberás."
E, assim, é através dos seus desenhos que Lina afastada do pai, mas com a sua mãe e o irmão vai tentar comunicar com o pai, fazendo os seus desenhos passarem de mãos em mãos, quando alguém tinha oportunidade de ir aos correios numa aldeia onde ficaram; quando fizeram paragens entre viagens e podiam sair para esticar as pernas (à vez), ela passava os seus desenhos entre as mãos dos homens. Os seus desenhos que apenas poderiam ser percebidos pelo seu pai, pois Lina não se arriscava a desenhar nada que os incriminasse, apenas o lugar onde estavam e assinava com aquele seu gatafunho... esperando arduamente que chegasse ao seu pai...
Lina e a sua família fazem amizades com as restantes pessoas deportadas. E em conjunto até conseguem celebrar o Kucios - que é o jantar tradicional da véspera de Natal na Lituânia. Lina e Andrius. Andrius é das personagens mais fantásticas que podemos conhecer. Toda a sua coragem e confiança são estimulantes em toda a leitura. As picardias entre os dois são um doce dado no momento e tirado mais tarde... Jonas, o irmão de Lina, é uma ternura. Um miúdo de 11 anos que parece ter 30. Toda a responsabilidade que ele chama a si... põe as necessidades dos outros à frente das dele... tantas vezes... O pai de Lina. São poucas as vezes em que este "aparece", mas está presente em todos os momentos e nos pensamentos da família e é aí, que reside toda a força e determinação de Lina, Jonas e Elena (mãe de Lina).
Elena... a minha personagem favorita.
Uma mulher com M maiúsculo.
Uma mulher que toda a gente gostaria de conhecer e ter por perto.
A mulher que tem o coração maior que a própria vida.
A mulher que luta todos os dias pelos e para os filhos, que mantém sempre a esperança e em que nada a demove de ter pensamentos positivos nas condições mais adversas. A mulher que ama o marido até ao fim do tempo... a mulher que tem sempre actos altruístas para quem não os tem. A mulher que nunca desiste e que não deixa os outros desistirem.
A mulher que ama os seus filhos e o seu marido mais do que tudo...
Elena sabia russo e foi durante muito tempo intermediária entre os deportados e os soldados.
Não posso referir que os soldados e comandantes são pessoas que têm sequer coração, mas, posso referir que nem todos são assim tão sem coração... nem todos fizeram o que fizeram porque quiseram... e a primeira pessoa a aperceber-se disso é Elena...
Há uma personagem no livro que se vem a descobrir no fim que NÃO é fictícia.
LADRÕES E PROSTITUTAS.
MAPAS E COBRAS.
GELO E CINZAS.
É um dos livros mais comoventes que li até hoje. Ainda mais pela sua autora, Ruta Sepetys, ter convivido com sobreviventes deste período negro e ser filha de refugiados lituanos. Saber do que está a falar apesar de ser um romance ficcionado.
Ler este livro, fez-me pensar, tendo em conta o estado do mundo actual, tendo em conta o estado do meu país neste momento, se um dia, também não iremos ser forçados a viver tal "sonho" atormentado...
"No meio do inverno, descobri que em mim existia um verão invencível" - Albert Camus

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