2 de fevereiro de 2015

O Jogo da Imitação - Crítica



Ficha Técnica:
Título Original: The Imitation Game
Título Nacional: O Jogo da Imitação
Argumento: Graham Moore
Realização: Morten Tyldum 
Fotografia: Oscar Faura
Produção: Nora Grossman

Opinião por João Salvador Fernandes:

Sinopse:  
Na liderança de um grupo de académicos, linguistas, campeões de xadrez e analistas, Turing foi reconhecido por quebrar o até aí indecifrável código da Enigma, a máquina utilizada pelos alemães na 2ª Guerra Mundial. Um retrato intenso e memorável de um homem brilhante e complicado, “O JOGO DA IMITAÇÃO” relata a história de um génio que sob extrema pressão ajudou a encurtar a guerra e, consequentemente, salvou milhares de vidas." 
"Durante o inverno de 1952, as autoridades britânicas entraram na casa do matemático, criptoanalista e herói de guerra Alan Turing (Benedict Cumberbatch) para investigar um assalto. Em vez disso, prenderam Turing por ‘atentado ao pudor’, uma acusação que levaria à sua devastadora sentença pela ofensa criminal de homossexualidade – mal sabiam as autoridades que estavam a incriminar o pioneiro da computação moderna." 

Crítica:
Alan Turing foi uma figura ímpar pelos contributos que ofereceu ao mundo, quer no desenvolvimento da ciência da computação e na estruturação do conceito de algoritmo, quer pela forma como adjuvou os Aliados a vencer a Segunda Guerra Mundial. Ajuda que se notabilizou, principalmente, com o projecto Colossus e a decifração do método de funcionamento da máquina germânica de encriptação Enigma. Não obstante os seus indeléveis feitos, essenciais para terminar com o maior morticínio da História da Humanidade, foi um homem que pagou por ser homossexual: orientação sexual que, durante décadas, foi barbaramente criminalizada no Reino Unido (a título de curiosidade, em Portugal, só deixou de o ser em 1982).

Faço esta introdução, porque creio que pessoas deste calibre merecem ser homenageadas, divulgadas e eternizadas em filme, ou, como diria F. Gonçalves Lavrador, em acontecimentos semióticos perenes. Deste modo, permitimos à posteridade saber quem foram os homens que merecem ficar na História.

O Jogo da Imitação não é, ainda assim, a primeira investida que procura, no reino do cinema, render o justo elogio a Alan Turing; em 1996, em Breaking The Code, telefilme de Herbert Wise, o tema já havia sido esmiuçado com grande qualidade. Porém, aqui, a dimensão é outra: a obra está nomeada para 8 Óscares da Academia, tendo granjeado 101 nomeações para diversos prémios e vencido, até à data, 41 galardões.

Quanto à longa-metragem, esta cumpre os seus propósitos laudatórios a Alan Turing – e, como se percebe no final, a todos os homossexuais –; mas, dada a comoção e excitação causadas, estava à espera de algo melhor.

Morten Tyldum (realizador) apresenta-nos uma película interessante, dirigida com esmero técnico e recheada dos elementos necessários para o nascimento de uma obra-mestra; apesar disso, falta-lhe encanto e um pouco de maior realismo.

Concretizando: a personagem Alan Turing (Benedict Cumberbatch) é irreal; e é irreal não pelo seu génio, facto comprovado, mas sim pelas suas certezas inabaláveis, desde o princípio até à conclusão da narrativa; ou seja, pela noção correcta e imediata do que teria de executar para lograr no seu objectivo e, ao mesmo tempo, conquistar a concordância dos seus companheiros. Sujeito a pressões, contrariedades técnicas e humanas, entre outros escolhos no seu trajecto triunfante, não há um pingo de dúvida que abale Turing; aliás, se não é melhor e mais eficaz, tal decorre da tacanhez de mente dos que não compreendem o seu brilhantismo.

Percebo, perfeitamente, a martirização que se faz de Turing; é um poderoso artifício dramático para retratar alguém que, evidentemente, sofreu horrores com o silenciamento do seu trabalho e com a castração química que lhe foi imposta (culminando em suicídio aos 42 anos de idade). Todavia, não me aprouve a excessiva fundamentação do seu comportamento tímido, quase autista, arrogante e mesquinho com o seu passado escolar. Recorrendo a flashbacks, Morten Tyldum revela-o uma vítima de bullying e do preconceito, quando nem tudo se pode assim justificar. Tentativa que se agudiza com a maneira criativa de minorar esses defeitos de carácter, patenteando-os em ambientes leves e com uma envolvência ligeiramente humorística.

Por conseguinte, esta é uma fita que, saltando entre a infância de Turing, a Segunda Guerra Mundial e os seus últimos anos, nos oferta uma boa dose de um velado politicamente correcto.

No que diz respeito ao desempenho dos actores, a longa-metragem conta com duas óptimas performances de Benedict Cumberbatch e Keira Knightley (que interpreta o papel de Joan Clarke), limitadas pelo próprio enredo e por diálogos, nalguns minguados casos, incredíveis; e, quando o afirmo, sustento-o na sensação de serem ensaiados. Por outro lado, refiro duas óptimas performances, porque não há espaço cénico suficiente para os outros actores, o que é entendível num entrecho que pretende atribuir quase todo o protagonismo à figura principal, salientando, porém, que esta não teria alcançado o cume da montanha sem um toque feminino.

A falta de rigor histórico (como, por exemplo, o uso anacrónico de linguagem, de líquido corrector --  quando ainda não havia sido inventado -- ou da electrificação, em 1939, da estação de comboio de King's Cross) não afecta a história; e os erros que alteram a realidade dos eventos são enquadráveis na liberdade artística do realizador.

O Jogo da Imitação é tanto um relato -- parte biográfico, parte ficcional -- sobre os jogos de espionagem e dissimulação em tempo de guerra, quanto é um manifesto sobre os padecimentos físicos, emocionais e morais por que passam aqueles que são forçados a emular  vidas que não são as suas. Vale a pena dele fruir, mesmo que esteja a ser sobrevalorizado.

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