5 de novembro de 2014

Opinião - O Homem Duplicado

Título: O Homem Duplicado
Autor: José Saramago
Editora: Porto Editora, Caminho

Sinopse:
Tertuliano Máximo Afonso, professor de História no ensino secundário, «vive só e aborrece-se», «esteve casado e não se lembra do que o levou ao matrimónio, divorciou-se e agora não quer nem lembrar-se dos motivos por que se separou», à cadeira de História «vê-a ele desde há muito tempo como uma fadiga sem sentido e um começo sem fim». Uma noite, em casa, ao rever um filme na televisão, «levantou-se da cadeira, ajoelhou-se diante do televisor, a cara tão perto do ecrã quanto lhe permitia a visão, Sou eu, disse, e outra vez sentiu que se lhe eriçavam os pelos do corpo».
Depois desta inesperada descoberta, de um homem exatamente igual a si, Tertuliano Máximo Afonso, o que vive só e se aborrece, parte à descoberta desse outro homem.

Opinião por Barbara Castro:
Tenho de começar por dizer que Saramago é um dos meus escritores preferidos. Apesar de serem muitos os que desgostam da sua peculiar pontuação e demais estilo, a minha pessoa simplesmente adora! Delicia-me de igual forma a reacção que desperta: ou o adoram ou o odeiam, creio ter encontrado pouquíssimas pessoas que se ficassem pelo meio-termo.

É verdade que nos seus livros, e neste não foi excepção, dou comigo, frequentemente, a perder o fio à meada aquando da leitura de frases de meia página. Contudo não me importo nada de reler as vezes que for preciso, mas percebo que seja um aspecto que desmotive à leitura deste autor.

Para mim, as suas obras valem sempre a pena pela escrita sublime e pelos finais surpreendentes. Mas depois de ler o monstruosamente belo Ensaio Sobre a Cegueira, o enigmático O Conto da Ilha Desconhecida e As Intemitências da Morte tudo o que li posteriormente da sua bibliografia ficou aquém das expectativas, até que me deparei com O Homem Duplicado, que esteve muito perto da genialidade das obras supracitadas.

Saramago presenteia-nos sempre com narrativas estranhas, ora uma Península Ibérica que subitamente se vê à deriva, ora uma epidemia de cegueira branca, ora uma Morte que resolve fazer greve. O Homem Duplicado não foi excepção, a intriga é surreal. Ora vejamos, Tertuliano Máximo Afonso é um homem vulgar, professor de História, já perto dos quarenta anos, divorciado, com um percurso com mais fracassos que sucessos na balança da vida, como à maioria de nós sucede. Quando o professor decide alugar um filme, aconselhado por um colega de profissão, depara-se com uma impossibilidade: um dos actores secundários do filme é exactamente igual a si próprio. Ao descobrir que existe neste mundo um homem completamente igual ao que ele vê quando se olha no espelho embarca numa busca desenfreada, fazendo tudo que está ao seu alcance para encontrar o seu duplicado. O Senso Comum, que dialoga com uma certa animosidade piadética com Tertuliano, tenta dissuadi-lo de muitas das suas intenções, ou plantando dúvidas difíceis de serem esquecidas ou com perspicazes conselhos que Tertuliano, como um comum dos mortais, tão bem sabe ignorar.

A par da acção central conhecemos também a relação entre Máximo Afonso e Maria da Paz, relação muito genuína, na medida em que se aproxima das não poucas relações que por aí andam, onde uma das partes dá mais do que a outra, uma das partes ama mais do que a outra, e todavia à parte em falta falta-lhe sempre a coragem de pôr o ponto final, vacila sempre na hora de enfrentar o vazio no outro lado da cama. Façamos uma ressalva, pois podemo-nos equivocar e à parte em falta não lhe faltar amor mas coragem para enfrentar o medo de falhar.

É deveras difícil encontrar aspectos negativos no nosso Nobel da Literatura, porém tenho de referir um aspecto transversal em todos os seus livros que tive oportunidade de ler: as personagens, embora francamente distintas e com uma personalidade sempre muito própria e com uma natureza muito humana, para o bem e para o mal, têm um discurso que nem sempre se adequa à sua condição. São sempre demasiado eloquentes e muitas vezes somos espectadores de diálogos filosóficos como se todos os intervenientes falassem através da boca de Saramago com recurso ao seu riquíssimo léxico, figuras de estilo e demais semântica.

Outros pontos menos positivos em O Homem Duplicado: algumas decisões das personagens são passíveis de despertar uma certa estranheza, mas que são justificáveis pela própria estranheza da situação com que se deparam e um excesso de observações do narrador que às vezes extravasam a linha orientadora da narrativa e são um pouco despropositadas e fora de contexto.

Em suma, O Homem Duplicado fez-me sorrir, pôs uma lagrimazinha à espreita do seu saco lacrimal, fez-me reflectir em questões tão corriqueiras como profundas e ao mesmo tempo fez-me não pensar em nada enquanto estava absorvida na aventura do protagonista. Que mais se pode pedir a um livro?

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