14 de abril de 2011

Opinião - As Intermitências da Morte

Título: As Intermitências da Morte
Autor: José Saramago
Editora: Caminho

Sinopse:
«No dia seguinte ninguém morreu.»
Assim começa este romance de José Saramago. Colocada a hipótese, o autor desenvolve-a em todas as suas consequências, e o leitor é conduzido com mão de mestre numa ampla divagação sobre a vida, a morte, o amor, e o sentido, ou a falta dele, da nossa existência.

Opinião por Joana Azevedo:
Este é um livro maravilhosamente original. A história começa quando, num determinado país, após a passagem de ano, ninguém morre. No primeiro dia do ano o facto causa estranheza e, nos dias seguintes, quando se confirma, provoca a euforia da generalidade da população. Apesar de a imortalidade ser desde sempre um dos sonhos da espécie humana, o autor mostra-nos, desde logo, a preocupação e mesmo aflição que assaltou alguns grupos da sociedade.

O governo do país começou logo a prever os enormes problemas com que se veria a braços se a morte cessasse definitivamente a sua actividade. A Igreja entrou imediatamente em pânico, uma vez que era na morte que assentava todo o seu “negócio”: sem morte não haveria ressurreição nem medo de morrer e sem estes não haveria religião. Antecipou, assim, a perda da influência que detinha no país, pois, como Saramago colocou na boca do próprio cardeal, “A Igreja, parecendo governar o que está lá no alto, governa o que está cá em baixo”. Outros grupos que sobreviviam graças à morte não tardaram a apresentar os seus protestos ao governo, nomeadamente as agências funerárias e as seguradoras. A estas juntaram-se os hospitais e os lares, cujo funcionamento assentava na rotação entre os que morriam e os que chegavam. Não houve outra solução, para aliviar a sobrelotação destes, que enviar os doentes a quem já nada poderia ser feito nos hospitais, aqueles que estariam a morrer, se houvesse morte, para casa, para que as suas famílias cuidassem deles. Estes rapidamente se tornaram num transtorno imenso para os seus parentes e, ainda por cima, um transtorno eterno. Deste modo, as pessoas rapidamente perceberam que o facto de não haver morte não era tão bom como parecia no início. Esta situação levaria também à falência da Segurança Social, havendo uma multidão sempre crescente de idosos, que o trabalho dos mais jovens não conseguiria suportar muito tempo.

No entanto houve grupos que aproveitaram o caos reinante para tirar benefícios, como sempre tem havido nas situações dramáticas. Um deles foi o dos Republicanos (o país era uma Monarquia Constitucional) que utilizaram a situação para argumentarem que os contribuintes não poderiam sustentar uma multidão de reis que se iam sucedendo uns aos outros mas que nunca morriam. Outro destes grupos foi a máfia, que ofereceu os seus serviços às famílias para levar os seus doentes a morrer à fronteira, o que se tornou numa moda que a todos beneficiava.

Ao longo da obra acompanhamos também a personagem principal – a morte, isto é, uma das mortes. Esta surge-nos de múltiplas formas, nomeadamente na de um esqueleto coberto de um lençol preto e acompanhada de uma gadanha, como tem sido retratada inúmeras vezes. Apesar do seu poder ilimitado no que toca a dispor da vida humana, a morte apresenta emoções que a apresentam dos seres humanos.

Além de uma história interessante e muito curiosa, é uma reflexão acerca sobre o sentido da vida e da morte. Comporta ainda uma crítica social bastante vincada, ao pôr a descoberto as relações entre o poder político, a máfia e a Igreja, bem como a falta de valores que muitas famílias revelaram. Um dos aspectos que marca todo o texto e que me fascinou, a par da originalidade, foi a escrita genial a que Saramago nos habituou, a forma como inclui o leitor na obra e a ironia certeira de algumas passagens. Em suma, eu adorei este livro.

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