4 de dezembro de 2010

Entrevista a Bruno Esteves

Esta semana trago-vos uma entrevista deveres interessante e um pouco diferente do habitual, num tom mais intimo e poético. Deixo-vos com o escritor Bruno Esteves.


Sobre o autor:

Nasci a 20 de Julho de 1977 em Lagos (Algarve), cidade soalheira e ventosa onde vivi até aos 18 anos de idade. Em 1995, rumei a Lisboa para prosseguir os estudos nos antípodas das letras e literaturas (sou licenciado em Gestão e Mestre em Sociologia das Organizações). O ano de 2002 marca a minha entrada no mercado de trabalho, sempre ligado à gestão de projectos financiados por fundos comunitários.


Entrevista:

Começaste a escrever com que idade?
Lembro-me que tinha cerca de 16 anos quando comecei o meu primeiro caderno com textos, embora bastante incipientes. Aliás, apesar de ter sido um médio/bom aluno no Secundário, as disciplinas de Português e Educação física foram sempre o meu ponto fraco.

A poesia sempre foi uma paixão?
Como disse anteriormente, não era bom aluno a Português e tinha grande dificuldade em fazer coincidir as minhas conclusões sobre os poemas com as interpretações poéticas que os professores me asseguravam ser as mais correctas. Por isto, na altura, a Poesia não era uma paixão, mas uma dor de cabeça nos testes. Apesar disso, comecei a escrever alguns textos para uma banda duns amigos, embora sem grande seguimento ou aceitação. Os poemas apenas surgem com maior frequência com o primeiro amor. Eram dirigidos à pessoa amada, nomeadamente como forma de suprir a distância entre Lisboa e Lagos. Curiosamente, foi o fim dessa relação que tornou a poesia uma verdadeira paixão. Passo a citar o poema “Obrigado”:

Obrigado pela dor, é mais amiga do que tu foste
É o que se lê no epitáfio...

Este poema deve ser lido sem rancor, pois foi a dor que senti na altura que me levou a escrever sem parar e a tornar a poesia parte integrante da minha vida.

Onde vais buscar a tua inspiração?
A inspiração surge sempre na intensidade dos momentos, das emoções, das relações, dos sons, das imagens, de tudo em geral. O marasmo, o meio-termo, por norma não me provocam qualquer vontade de escrever.

Podemos pegar no exemplo seguinte:
“Numa festa de arlequins dançantes e aprendizes de amores, quitavam-se desejos a pedido... Ela, fada maior leve e de sorriso, pede-me que o diga... “Que desejas tu, rapaz azul, além dos passos que danças?”... “Uma musa, a”, escrevendo-a na parede de giz...”

Esta história é verídica, passou-se numa festa de ano novo 2009, no Chapitô, sob o tema “everything you wish for”. Numa das paredes do Bartô, havia um quadro onde se escreviam desejos. Pediram-me para inaugurar o quadro com um desejo. Escrevi “MUSA” em letras enormes. Não sei se por sorte, se por destino…, mas passado menos dum mês, conheci a mulher que mais me inspirou até hoje. A vida é estranha, mas foram sempre as mulheres que mais me inspiraram na escrita, quer pela paixão que despertaram em mim, quer pela perda ou pelo desencontro. Deixo outro texto que espelha esta ideia…

Mulheres
Adoro despir mulheres nuas e pintá-las de verdade
Vagas suspensas num belo escrito
Alumiando o chão onde olhos essência vogam
Frases lidas entre almas
Incógnitas e vontades ditas na curva de um ambos
Passos dados e confidências
Brilhos recantos, chuva e um encontro nas letras de um traço
Esse nosso infinito espaço
Universo, lua enlace
Um planeta, um sofá e um enunciado de nós
A melodia de poeta entoada
Gesto descalço de intervalos
Eco que nos faz fome teia e desejo
Vestimo-nos destes trópicos corpos desnudos
Coração empresta-te arrítmico
Fronteira e letra gravada a quatro mãos
Um piano que nos toca
Na cauda duma estrela de timbre singular
A pele é músico de amor
Trânsito desta galáxia que nos cede o céu
Por uma noite ou por um sempre

Como é o teu processo criativo? Tens algum ritual?
O processo criativo passa sempre pelo surgimento de uma frase base do poema, que eu tenho por hábito de apontar, sob pena de me esquecer dela. Posteriormente, desenvolvo a ideia e caminho em direcção ao fim do poema, apesar de ter a tentação de alterar os textos sempre que os leio.

Quais são as tuas referências literárias?
Fernando Pessoa, Mário Cesariny, Vinicius de Moraes, Herberto Helder, José Carlos Ary dos Santos, Al Berto, Mário de Sá-Carneiro, Alberto Pimenta, Adília Lopes, entre outros… Mas em particular poetas e poetisas nacionais.

Qual o teu livro preferido?
“O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde (Estrangeiro)
“Livro do Desassossego” de Bernardo Soares (Nacional)

Qual a tua citação preferida?
"Antes teor que teorema vê lá se além de poeta és tu poema." de Agostinho da Silva

E por falar em citações, no teu blogue tens uma citação de Bernardo Soares: “E eu, cujo espírito de crítica própria me não permite senão que veja os defeitos, as falhas, eu, que não ouso escrever mais que trechos, bocados, excertos do inexistente, eu mesmo, no pouco que escrevo, sou imperfeito também.”. Quais são os teus maiores defeitos?
Sou:
- Preguiçoso;
- Inseguro;
- Tímido;
- Pessimista;
- E tenho alguma dificuldade em lidar com a exposição pública.

Se tivesses de escolher um poema de outro escritor que te definisse, qual seria?
Common nighthawk

Não és da terra dos muitos
que acordam de manhã cedo
para apanhar os transportes
e quando descem a rua

já têm, aos vinte e picos,
toda a vida pelas costas –
és de uma noite de Julho
que começa sem lembrança

e termina ao outro dia
com um sorriso moído
e um número de telefone
condenado a extraviar-se

Quanto ao mais, posso dizer
que o pouco que sei de ti
não abona em meu favor
nem aproveita ao poema.

Autor – Rui Pires Cabral
in “A Pocket Guide to Birds”

Qual foi o último livro que leste?
Foi a colectânea “A Perspectiva da Morte: 20 (-2) Poetas Portugueses do Século XX”, publicada pela Assírio e Alvim.

Fala-nos um pouco sobre o projecto “A palavra Longe de Aberta”.
Este projecto nasce entre mim e o meu grande amigo e grande músico Iládio Amado, como expressão da nossa amizade e da paixão partilhada, quer pela poesia, quer pela música de origem lusófona. As palavras nasceram dos meus textos e foram musicadas por Iládio, percorrendo amigos e vozes, por vezes no timbre dum instrumento familiar, por vezes sozinhas. Chegamos a apresentar um vídeo sobre a música/poema “Condenado” da autoria da Marta Pedroso, estando previstos outros mais. No final do mês de Setembro, foi disponibilizado um free e-book com um conjunto de textos que servem de universo poético a este projecto com várias dimensões artísticas. Acompanhem-nos no blogue http://apalavralongedeaberta.blogspot.com/ que brevemente surgirão novidades.

Quais são os teus planos e objectivos para o futuro?
Não espero fazer carreira como poeta ou escritor, mas enquanto escrever fizer de mim uma pessoa mais feliz, mais completa… que haja inspiração e continuarei com a minha escrita, sem prazos ou obrigações editoriais.

1 comentário:

namastibet disse...

impressionante a tua/vossa "saga"
vou dispor de mais tempo meu para vos conhecer melhor