«Não há muitos escritores que, como J. Rentes de Carvalho, tão destemidamente escolham a verdade como padrão (...)»
Trow, Amesterdão
Trow, Amesterdão
Sentido de humor, capacidade de análise, reflexões ponderadas e claras – desde Com os Holandeses, reeditado pela Quetzal há dois anos, que temos vindo a publicar a obra de José Rentes de Carvalho. O português mais famoso da Holanda, precisamente por olhar e explicar como vê o mundo à sua volta: seja ele Amesterdão, Portugal inteiro como destino para viajantes ou Estevais de Mogadouro, pequena aldeia de Trás-os-Montes. Pouco conhecido entre nós, José Rentes de Carvalho tem vindo a ser descoberto por cada vez mais leitores. A Amante Holandesa foi um dos romances deste verão. Ernestina, o seu romance autobiográfico, foi recentemente reeditado e está aí com nova capa nas livrarias. Assim como este Tempo Contado – diário de escritos em 1994 e 1995, e começado naquele que diz ser o último aniversário da meia-idade. José Rentes de Carvalho nasceu a 15 de Maio de 1930, em Vila Nova de Gaia.
Um fascinante diário escrito nos anos de 1994 e 1995. Acolhido com grande entusiasmo na Holanda entre os leitores e críticos, Tempo Contado matiza o relato factual com a mestria estilística da melhor ficção do autor de Ernestina ou A Amante Holandesa. Um livro incontornável que apaixonará também os leitores portugueses.
«Um diário meu não terá a minúcia nem a intimidade das confissões dos de Pepys, ou o veneno destilado nos trinta e dois volumes do de Jouhandeau. Julgo que será, em factos e pensamentos, um relato essencial do dia-a-dia. Diários daqueles em que se anotam minuciosamente os sentimentos, até agora só tive um. Na adolescência. Quando o meu pai o descobriu e julgou encontrar nele a provável razão de, com os meus amores, eu ter descurado o estudo, obrigou-me a ouvir a leitura irónica e declamada que dele fez. Eu tinha dezasseis anos, a humilhação deixou marcas. Hoje, as ameaças desse dia e os insultos, as bofetadas que me deu depois, já não contam. Mas mais do que a dor a humilhação física, o ele ter violado os meus pensamentos e anseios íntimos foi das coisas que nunca consegui esquecer ou perdoar.»
Excertos:
«Domingo, 13 de Novembro – Creio que viveria desgostoso numa casa sem flores. Às vezes, como hoje, a meio da noite, entro na sala e acendo a luz sobre a mesa, só para ver o brilho de um ramo de cravos.»
«Segunda-feira, 5 de Dezembro – (...) Não se inventa: estamos no café, ele abre o embrulho para me mostrar e tira de lá o Tractatus logico-philosophicus, de Wittgenstein. Em primeira edição. Engulo em seco. Sei que ganhou dinheiro no comércio, mas nunca o ouvi falar de um livro, não o considero culto e nunca lhe suspeitaria uma inclinação para as coirsas do intelecto, menos ainda para a filosofia.
- Que surpresa. Wittgenstein.
- É para a minha mulher. Ela colecciona livros de autores em que entra Wit, que é o seu nome de família.»
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