24 de junho de 2021

Opinião – “Quatro Dias a Teu Lado” de Rodrigo García

Sinopse

Deb (Glenn Close) não vê a filha há um ano. Uma noite, tocam à campainha e Deb vê uma mulher que mal reconhece como sendo a sua própria filha. Após um ano a dormir na rua, marcado pelo consumo de heroína, Molly (Mila Kunis) está irreconhecível: desdentada, esfarrapada e trémula. Molly implora a Deb que lhe dê uma última oportunidade para a ajudar a limpar-se. Após uma década de recaídas, mentiras e manipulações, Deb tem dificuldade em acreditar e acredita que deve "impor limites" pelo que fecha a porta na cara de Molly. No dias que se seguem, e perante a persistência de Molly, Deb começa a detetar vestígios da filha determinada e empática que tinha antes de esta se entregar à droga e a esperança começa a minar a sua determinação. Relutantemente, Deb começa a ajudar Molly nos quatro dias mais cruciais da desintoxicação antes que esta entre num programa inovador. Serão quatros dias que porão à prova o relacionamento de ambas. Estará Molly finalmente no caminho da desintoxicação e da recuperação da vida que levava antes? Ou esta será apenas mais uma das suas magistrais manipulações? Deb só poderá descobri-lo sacrificando os seus próprios limites e indo mais longe do que alguma vez fora, numa última tentativa de salvar a filha.

Inspirado numa história verídica, “Four Good Days” é uma montanha-russa emocional de esperança e co-dependência que revela os danos causados numa família, espelho de muitas famílias nesta era de toxicodependência.

Opinião por Artur Neves

Inspirado num artigo do Washington Post, cujas pessoas visadas aparecem no fim do filme, esta história em que contracenam Glenn Close no papel de Deb, a mãe desiludida e desencantada de Molly (Mila Kunis) a filha viciada em drogas duras e praticamente perdida para o vício, mostra-nos até que ponto uma mãe está disposta a sofrer por um filho e a exercer comportamentos duros e severos na intenção de o salvar apesar de já ter perdido todas as esperanças e de já ter renegado o seu amor por ela, na sequência das mentiras e dos roubos que ela já praticou para obter dinheiro para custear o seu deplorável vício.

Molly é viciada em heroína, metadona, crack e todo o catálogo de drogas duras há dez anos, tendo estado em programas de desintoxicação por 14 vezes, das quais voltou sempre ao vício, tendo em todas elas prometido a Deb, jurado mesmo, ter sido a última vez, sem que isso se tenha verificado. Agora, quando bate à porta de Deb é uma pessoa desconhecida para ela, tal é o abatimento físico, a cor macilenta, as muitas manchas no rosto e posteriormente como veremos, a ausência de dentes devido ao intenso consumo.

Aqui destaca-se a brilhante atuação de Mila Kunis (tal como em “Cisne Negro” de 2010) e a sua radical transformação física, de pele emaciada, visivelmente magra, vestida com roupas largas e desajustadas, apresentando maneirismos e tiques comportamentais que nos convencem da sua degradação. Ela mentiu compulsivamente no passado e agora Deb está sempre à defesa para as suas alegações, quaisquer que elas sejam mesmo as mais inocentes, sendo curioso apreciar a maneira como os seus olhos mudam quando ela mente de novo, a sua linguagem corporal e todos os pormenores da sua representação dum personagem que desperta empatia sem nunca manifestar individualismo ou ostentação. Este é aliás um filme de pormenores, também da parte de Glenn Close embora menos notável do que o personagem desempenhado em “Hillbilly Elegy” ainda não estreado em Portugal, que lhe deu a oitava nomeação para o Óscar em 2021, na categoria de Melhor Ator Secundário, (todavia ainda não alcançado). Close é a mãe que finge acreditar que a sua filha toxicodependente se quer reabilitar, embora realmente o deseje.

Deb não é contudo uma santa e a história do relacionamento mãe – filha conta-se entre episódios de abandono do lar, do divórcio do pai, da sua irascibilidade frequente que embora não justificando o comportamento Molly, ela alega que constituiu um forte contributo para a sua situação. O realizador Rodrigo Garcia prefere apenas mencionar os factos em vez de explora-los, tomando a história no sentido da esperança, da reabilitação e da reconciliação, permitindo a Deb o valor do perdão após anos de dor e deceção.

Interessante e bem interpretado, estará disponível em sala a partir de 01 de Julho

Classificação: 6 numa escala de 10

 

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