13 de abril de 2016

Opinião – “Demolição” de Jean Marc Vallée


Sinopse

Davis Mitchell (Jake Gyllenhaal), um bem-sucedido banqueiro de investimento, vive em luta após perder a mulher num trágico acidente de carro.
Apesar da pressão de Phil (Chris Cooper), o seu sogro, para que tente retomar a vida, Davis continua a não conseguir.
Mas o que começa como uma carta de reclamação para uma empresa de máquinas de venda de comida, transforma-se numa série de cartas com surpreendentes revelações pessoais.

Estas cartas captam a atenção de Karen Mareno (Naomi Watts), a representante do serviço ao cliente da empresa - ela própria a lutar com algumas questões emocionais e financeiras - e acabam por levar à criação, entre os dois, de uma ligação improvável. Com a ajuda de Karen e do seu filho Chris (Judah Lewis), Davis começa a demolir a vida que sempre conheceu, como forma de reconstruir o mundo à sua volta.

Opinião por Artur Neves

Li algures, e lamento não me lembrar do nome do seu autor para o poder citar, que a vida tem três verdades; “a terceira verdade é a que contamos aos outros, a segunda verdade é que contamos a nós próprios e a primeira, a única, a verdade real, nem a nós contamos”. Lembrei-me desta frase quando estava a ver este filme, por ela poder constituir a sua sinopse metafórica, de acordo com a história que o compõe.
Davis Mitchell vive a sua confortável vida, ao abrigo de dificuldades e carências, sobre o manto diáfano de um conformismo construído sobre cedências às contrariedades dos seus desejos secretos, todavia indefiníveis, que até ali ele tinha aceitado como contraponto para a sua vida “normal”, segundo os padrões sociais a que tinha aderido ao casar com Linda, sem amor (ficamos a saber posteriormente) e sem particular concordância de Phil (o sogro, pai de Linda) que o aceita por inerência familiar, e lhe confere um lugar na empresa financeira de que é proprietário, construindo-se assim uma vida de fachada, embora recheada de sucesso profissional reconhecido por todos os parceiros, subordinados, colegas e clientes, até aquele dia fatal da morte de Linda.
Ao libertar-se desse compromisso começa a sua verdadeira batalha interior para se assumir como realmente sente, como realmente é, e como nada sobrevive sobre algo que está mal construído na sua essência, é necessário primeiro destruir tudo o que o cerca e que o confina ao jugo do compromisso a que já não está obrigado, que não significa nada mas ainda existe, que o choca e ofende somente pelo conhecimento da sua existência, como tal é necessário eliminar, demolir, destruir a vontade, transformada em hábito, de se vestir como um banqueiro, de realizar almoços de negócios, de sequer comparecer às reuniões e fruir uma liberdade de vontades que não são impróprias, mas antes resultam da concretização dos seus reais e profundos desejos e a assunção dos seus sentimentos.
É sem dúvida uma viagem dolorosa em plano inclinado, tudo o que antes “era”, agora “deixa de ser”, no caminho da destruição encontram-se revelações insuspeitas de que nunca poderíamos ter pensado antes, mas essa é a verdade das vidas fictícias que subsistem pelo conformismo e corporizam a simulação da vida.
A sequência fílmica está bem estruturada e o passado e o presente cruzam-se constantemente tanto no tempo actual como em flash-backs do passado, mas a história é escorreita embora a acção seja sinuosa como a vida que retracta. Todos os personagens são consistentes e o argumento prende o espectador na vertigem destruidora de Mitchell, sofrendo com ele e perguntando-nos para onde aquilo o levará, no fim a promessa é de futuro. Sem dúvida é um filme a ver… e a rever, porque o segundo visionamento mostrar-nos-á os pormenores que escapam ao contemplar tamanha desestruturação.
Classificação: 8,5 numa escala de 10

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