15 de março de 2016

Opinião - "Uma História de Amor e Trevas" de Natalie Portman


Sinopse:
Uma História de Amor e Trevas baseia-se nas memórias que Amos Oz tem de crescer em Jerusalém com os pais, Arieh e Fania, nos anos que antecederam ao Estado de Israel. Eles são uma das muitas famílias judias que se mudaram da Europa para a Palestina durante os anos 30 e 40 para escapar à perseguição. Arieh é cautelosamente esperançoso quanto ao futuro, enquanto Fania (Natalie Portman) quer muito mais. Ao terror da guerra e das fugas seguiu-se o tédio da vida quotidiana, que pesa fortemente sobre Fania. Infeliz no casamento e intelectualmente sufocada, para se animar e para entreter Amos, de 10 anos, começa a inventar histórias de aventuras e caminhadas através do deserto. Amos fica extasiado quando a mãe lhe lê poesia e lhe explica as palavras e a linguagem. Mas quando a independência não traz consigo o sentido de vida que Fania esperava, ela desliza para a tristeza e para a solidão. Incapaz de a ajudar, Amos ver-se-á obrigado a dizer adeus antes de estar pronto. Ao testemunhar o nascimento de uma nação, Amos Oz tem de enfrentar o seu próprio novo começo. Uma História de Amor e Trevas é o primeiro filme realizado por Natalie Portman.
 
Opinião por Marta Nogueira
A estreia na realização da actriz Natalie Portman revela-se verdadeiramente auspiciosa. Portman decidiu ilustrar as belíssimas palavras da autobiografia do escritor israelita Amos Oz, que conta a história da sua pequena família judia durante o polémico estabelecimento do Estado de Israel após o final da Segunda Guerra Mundial, em 1947. Tendo como pano de fundo as esperanças e os anseios levantados pelo nascimento de uma nação ainda sob o regime de um dos vencedores da guerra, a Inglaterra, Oz conta o retrato comovente e nostálgico da relação com a sua mãe, uma jovem polaca casada e emigrada na Palestina. Seguindo a tradição dos grandes romancistas clássicos, Oz aproveita acontecimentos históricos reais para enquadrar pequenos/grandes dramas do quotidiano, pessoais e individuais, desta vez não ficcionados. É assim que Fania, a mãe, é, nas palavras em off do seu agora ancião filho, com idade para ser seu próprio pai, uma jovem mulher cheia de sonhos e de poesia, que conta histórias a Amos enquanto trata dos seus afazeres diários de esposa submissa encurralada num casamento sem qualquer chama com um aspirante a escritor que parece não conseguir o ambicionado êxito literário, e humilhada pela sua sogra, que não a aprova e pela sua própria mãe, que não aprova a sua preferência em descer de nível social e emigrar para um antro deplorável comparado com a sua vida burguesa na Polónia. Fania abafa as suas frustrações principalmente na relação de proximidade que estabelece com o filho, uma espécie de companheiro substituto do marido ausente. Aninha-se com ele na cama, cuida dele esmeradamente e conta-lhe histórias que constituem ao mesmo tempo um escape fantasioso para mãe e filho e lições de vida que Amos aproveitará no futuro, na sua vida e na sua carreira literária. Até que engolida pela turbulência que iria pautar o resto da história de Israel até aos nossos dias, de sonhos e ilusões completamente despedaçados, dentro e fora de casa, Fania se abandona a uma apatia originada em terríveis enxaquecas que lhe provocam insónia incurável, nem sequer mitigada pelos diversos tipos de comprimidos que o médico lhe vai receitando ao longo do tempo. Fania permanece nesse estado vegetativo, sem interesse por nada nem ninguém, nem sequer o seu amado Amos. As histórias acabam, Fania autoriza que o marido procure alguém que o console lá fora, e é isso mesmo que ele faz, passando Amos a cuidar da sua mãe, numa inversão de papéis que costuma acontecer apenas no final das vidas dos nossos progenitores e na nossa própria maturidade. Amos carrega um pesado fardo para uma criança, mas não esmorece. A mãe, no entanto, definha a olhos vistos e, sem querer revelar nada, o final não é o típico final hollywoodesco, certamente.
Natalie Portman, também ela nascida em Israel, demorou 8 anos a escrever e conseguir apoios financeiros para um filme que insistiu ser filmado totalmente em hebraico. Ela própria interpreta o papel de Fania e rodeou-se de um grupo competente de colaboradores, entre os quais se contam nada menos que o cinematógrafo polaco Sławomir Idziak, que tem acompanhado o cineasta Krzysztof Kieślowski em variados filmes. Com isso conseguiu um filme poético e belo, com imagens tecnicamente imaculadas e uma quantidade precisa de emoção que nos embala do início ao fim desta história melancólica. O pano de fundo da situação política é doseado na medida correcta e filmado com uma emoção contagiante que não é habitual nos relatos sobre esta parte do mundo. Normalmente temos acesso aos horrores dos campos de concentração, nunca à esperança do povo judeu pós-guerra. Que o conhecimento de que essa esperança tenha saído bastante gorada seja só nosso enquanto espectadores detentores do futuro, é parte da nostalgia que Portman procurou dosear e que resulta.
O filme está cheio de pequenas e maravilhosas frases proferidas em voz-off pelo narrador que é Amos já idoso, certamente retiradas ipsis verbis do texto de Amos, sobre a relação entre judeus e árabes, a poesia, as esperanças, a etimologia de palavras hebraicas e tantos outros pensamentos poéticos e belos sobre a vida. Quem quer que tenha uma mãe, e somos todos, irá emocionar-se com este filme da menina prodígio Portman, que segue formosa e segura na sua carreira cinematográfica, pisando os passos de uma outra mais antiga menina-prodígio, também ela realizadora, Jodie Foster. Outra coisa não seria de esperar de uma actriz que tem sabido gerir uma carreira consistente, com escolhas sempre interessantes e de alta qualidade. Parabéns, Natalie.

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