8 de fevereiro de 2016

Opinião - "Quarto" de Lenny Abrahamson


Sinopse:
A única coisa no mundo que Jack conhece é um quarto com uma pequena janela. É nesse lugar que ele nasceu e de onde nunca saiu. A criança já está com 5 anos e começa a questionar sua mãe sobre o motivo de viverem presos no quarto, até ao dia em que ele tem a oportunidade de desbravar aquilo que nunca conheceu.
 
Opinião por Marta Nogueira
O grande trunfo deste "Room" é precisamente a sua característica "amadora" - o filme está concebido num registo de imagem e de storytelling cru, como se a câmara fosse apenas voyeur, espreitando pelo buraco da fechadura deste Quarto-Universo e não aquilo que realmente é - a sua organizadora. E é assim, desta forma nua e simples que somos convidados a penetrar num imaginário construído por uma mãe prisioneira que, à semelhança de Roberto Begnini em "A Vida é Bela", quer proteger o seu filho da realidade mais dura e mais terrível que se possa conceber. Se essa é a melhor estratégia ou não para a preservação da saúde mental do seu filho, é uma questão que nos é colocada durante todo o filme e que fica à consideração de cada espectador.
O filme é carregado aos ombros dos seus dois principais actores - Brie Larson (a mãe) e Jacob Tremblay (o filho) e por esse relacionamento construído com base numa mentira do tamanho de um planeta inteiro, com o único objectivo de preservar a integridade do ser gerado, enquanto a sua progenitora se vai desfazendo em estilhaços.
A mentira constrói o próprio filme, isto é, vemos o quarto através dos olhos da criança, e esse quarto não nos parece durante uma grande parte do tempo aquilo que realmente é - um ambiente ultra-confinado, raquítico, onde sobreviver nos parece de todo impossível, quanto mais viver. Mas as crianças vivem num mundo só delas, balizado por aquilo que os adultos lhes oferecem  - a mãe reconstrói a realidade, moldando-a para a criança e a criança aceita o molde e brinca com ele a seu bel-prazer, não duvidando por um instante que aquela realidade é apenas uma virtualidade inventada pelo adulto.
Que todos os mentirosos são apanhados, mais cedo ou mais tarde, já sabemos. Que as mentiras, ainda que piedosas, acabarão sempre por se desmoronar, já adivinhamos. Que o protector é muitas vezes comparado ao prevaricador, já suspeitamos. Quando Joy percebe que pode ter uma possibilidade de fuga, começa a preparar Jack para o verdadeiro mundo e este não quer acreditar que tudo o que viveu até ali não era realmente o que ele pensava. "I want a different story!", grita Jack para a mãe que se tornou, subitamente, alguém que lhe destruiu um sonho. Um pouco como a caverna de Platão, em que os prisioneiros vêem apenas sombras da verdadeira realidade e julgam ser essas sombras a verdadeira realidade. Quando um deles consegue escapar-se e percebe que as sombras são apenas projecções criadas pela luz de uma fogueira, regressa para lhes abrir os olhos mas a resposta dos outros é matá-lo. Eventualmente, Jack, também como todas as crianças, adapta-se ao mundo fora do Quarto, mais rapidamente do que a sua mãe. Porque as crianças são maleáveis, flexíveis e, por isso, muito frágeis por um lado e muito mais fortes do que pensamos, por outro. Absorvem tudo com uma rapidez impressionante. Jack sobrevive à realidade e salva a sua mãe, mais uma vez.

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