26 de dezembro de 2015

Opinião – 99 Casas de Ramin Bahrani


Sinopse
Neste thriller muito actual, o carismático e impiedoso empresário Rick Carver (Michael Shannon) faz fortuna com casas arrestadas – jogando com as condições do mercado imobiliário, os bancos de Wall Street e o governo americano.

Quando ele expulsa Dennis Nash (Andrew Garfield), um pai solteiro que sustenta sozinho a mãe (Laura Dern) e o filho (Noah Lomax), Nash fica tão desesperado que para sustentar a sua família aceita trabalhar para Carver - o homem que o despejou. Carver promete a Nash uma forma de recuperar a sua casa e trazer segurança para a sua família, enquanto que maliciosamente o vai seduzindo para um estilo de vida de riqueza e glamour. É um acordo com o diabo que vai tendo um custo cada vez mais alto - por ordem de Carver, Nash tem de despejar várias famílias de suas casas. À medida que vai caindo cada vez mais profundamente nas teias de Carver, Nash descobre que se encontra numa situação mais violenta e perigosa do que alguma vez imaginou.
Opinião por: Artur Neves
Este filme é um; the end of story. Para compreendê-lo na sua totalidade, para entender com propriedade os factos que nos são mostrados, a ganância, o egoísmo a falta de humanidade com que pessoas são espoliadas dos seus bens é necessário recuar à governação de George W. Bush entre (2001 a 2009) aos primeiros anos do seu mandato e à desregulação do sistema financeiro preconizada por este, e por anteriores inquilinos da Casa Branca, por recomendação de vários conselheiros e responsáveis da FED que conduziram à crise americana do subprime em 2007 através de empréstimos massivos ao consumo e de hipotecas de casas por pessoas e agregados familiares que reinvestiam esse dinheiro em acções no mesmo mercado imobiliário na esperança de poder pagar a hipoteca com os ganhos do investimento. O colapso chegou com a desvalorização dos imóveis em mercado decorrente da excessiva oferta dos mutuários e das instituições financeiras que “mascararam” os seus activos, aglutinando-os em produtos bancários aparentemente diferentes das iniciais hipotecas formando assim uma bolha financeira dos famosos “activos tóxicos” de que ainda hoje não nos livrámos completamente.
Nesta história não há inocentes, são todos culpados, são todos vilões, a começar em George W. Bush, Henry Paulson, a Goldman Sachs, empresas de rating que deram cobertura aos activos tóxicos através de uma classificação de risco favorável, mutuários embalados pelo “canto das sereias” e a acabar em Rick Carver, patrão da empresa de execução judicial, muito bem interpretado por Michael Shannon e a sua equipa de tarefeiros que consuma a desgraça da espoliação dos bens de família, de qualquer uma das famílias atraídas pela fábula da “multiplicação dos pães”, pelo lucro fácil que esperavam obter com a hipoteca dos seus bens imobiliários, tal como Dennis Nash, no fim da “linha”, que na ausência de melhor solução para a sua dívida, se vem a tornar também noutro torcionário da mesma equipa cumprindo o papel que lhe foi encomendado, de fazer acontecer a outros, o mesmo que lhe tinha acontecido a si.
A história evolui depois para um esboço de redenção com a centésima casa (a que falta ao título do filme) resgatada in extremis por um ex-vizinho de Dennis, por quem este se declara culpado da falcatrua burocrática encomendada por Rick Carver. Por todo o filme perpassa um retrato de época, da nossa época, de valores fluidos e omissão de costumes, onde vale tudo para “ficar à frente”, onde o nosso vizinho passa a adversário e da sua derrota depende a nossa vitória. Lamentavelmente a verdadeira razão causal dos eventos que nos são apresentados é abordada tangencialmente em duas ou três falas durante todo o filme, retirando o efeito pedagógico que esta história poderia constituir para os mais distraídos sobre os acontecimentos recentes em Portugal e nesta Europa de equívocos que constantemente nos surpreende com novos eventos. Laura Dern tem um desempenho que embora secundário está ao seu nível e o argumento é escorreito e bem construído, sendo no global um filme que se vê sem cansaço.
Classificação: 6 numa escala de 10

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